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Relíquia portuguesa, coração de dom Pedro 1° foi guardado após pedido em testamento

Cinco chaves guardam o orgão; volta a Portugal e guerra com irmão marcam fim de sua vida

Renan Soares
Especial para o Diário
23/08/2022 | 08:16
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Guilherme Costa Oliveira/Câmara Municipal do Porto


Guardado há 187 anos em recipiente com formol, um item especial vem gerando a atenção e reacendendo a ligação entre os portugueses e brasileiros. Na capela-mor da Igreja de Nossa Senhora da Lapa, na cidade do Porto, em Portugal, o coração daquele que proclamou a independência, dom Pedro 1°, fica trancado a cinco chaves a pedido do próprio monarca. Com momentos finais da vida marcados pelo retorno a seu País de origem e embates com a própria família, “O Libertador”, como é popularmente chamado no país lusitano, volta ao País onde foi imperador, mesmo que na forma de um órgão.

Segundo a professora de História Ibérica no departamento de História da FFLCH-USP, Ana Paula Megiani, dom Pedro 1° tinha características similares a de seu pai como monarca, o rei dom João 6º. Após a independência do Brasil, em 1822, o príncipe passou a ser imperador. Em 1826, com a morte de João 6º, criou-se uma crise dinástica, visto que o agora líder do Império do Brasil tinha se distanciado de Portugal. Além disso, sua mãe, rainha Carlota Joaquina de Bourbon, e irmão, dom Miguel 1°, planejavam novas formas de governar o país lusitano.

“A rainha Carlota Joaquina começa a construir relações com um grupo de homens da Corte, junto a dom Miguel que é de sua linha política, que entendemos como linha absolutista. Carlota e dom Miguel representam este lado mais conservador, de devolver o absolutismo a Portugal, voltar ao Brasil-Colônia, e tomar o trono de dom Pedro”, comenta a professora Ana Paula. Neste modelo, o poder do Estado fica centralizado nas mãos de apenas um soberano, sem prestar contas a população.

Na época, além do temor pelo avanço das tropas miguelistas no país lusitano, dom Pedro 1° enfrentava a dualidade das opiniões públicas no Brasil.

“Ele é visto como alguém que se fez a independência, mas depois não conseguiu colocar em prática a construção do Estado nacional independente. Já em Portugal é visto como aquele que voltou para ajudar o Reino de Portugal a se manter em uma linha liberal”. O monarca retorna a Portugal em 1831 para travar uma guerra cívica contra o irmão mais novo, dom Miguel 1°.

“O heróico apoio dos portuenses ao exército liberal comandado por dom Pedro, durante a guerra civil portuguesa de 1832-1834, fez emergir uma estreita cumplicidade”, afirmou o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira. Após vencer a guerra e ser proclamado rei de Portugal, dom Pedro sofreu com complicações da tuberculose, e morreu em 24 de setembro de 1834. Em seu testamento, o rei solicitou que seu coração fosse guardado no País.

“Após a morte de dom Pedro, 4° de Portugal e 1° Imperador do Brasil, o coração do monarca foi doado à cidade do Porto, em sinal de gratidão pela resistência na luta das forças liberais contra as tropas absolutistas de dom Miguel. Sob a guarda da Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, sua fiel depositária, e do Município do Porto, detentor da chave da caixa de madeira onde se encontra o frasco de vidro que contém o coração submerso em formol”, contextualizou Rui Moreira, na proposta de translado temporário.

A peça está no Brasil desde ontem. Entre as chaves, a primeira é para abertura de uma placa de metal. A segunda e a terceira são usadas para remoção das redes de ferro que encobrem a urna, sendo a quarta para abertura da cápsula. Por fim, a última chave abre a caixa de madeira onde se encontra o órgão.

Orgão chega ao Brasil e ficará exposto no Itamaraty

O Itamaraty informou que as tratativas com Portugal foram iniciadas pelo governo brasileiro, em março deste ano, para falar sobre a possibilidade do translado temporário da cidade do Porto ao Brasil de um importante símbolo histórico: o coração de dom Pedro 1º.

As negociações para sua vinda a Brasília foram levadas a cabo, em Lisboa, com autoridades do Governo português, e no Porto, com o presidente da Câmara Municipal da cidade, Rui Moreira. O embaixador George Prata foi um dos coordenadores indicados pelo Itamaraty para participar das negociações para trazer o item.

Após parecer técnico favorável, em julho, a Câmara Municipal do Porto aprovou, em votação unânime, o translado temporário da relíquia ao Brasil.

Rui Moreira, levou pessoalmente o coração de dom Pedro 1° a Brasília, na noite do domingo (21) com o apoio de um jato executivo da FAB (Força Aérea Brasileira). Ontem, o órgão chegou ao Palácio do Planalto, em Brasília, recebido por representantes de ambos os Países. A relíquia fará parte das celebrações do Bicentenário da Independência e deve voltar no dia 8 de setembro ao País lusitano.

Depois da cerimônia, o coração foi transportado, sob forte esquema de segurança, ao Palácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Todas as despesas da viagem foram de responsabilidade do governo Federal. De acordo com informações Câmara Municipal do Porto, a segurança do coração será feita pela Polícia Federal, Polícia Militar do Distrito Federal, pelas Forças Armadas e pelos Dragões da Independência, com o acompanhamento permanente do comandante da Polícia Municipal do Porto, António Leitão da Silva.

Hoje, o órgão de 9kg será levado ao Palácio do Planalto, onde está prevista uma cerimônia com a presença do presidente Jair Bolsonaro (PL). Após a cerimônia no Planalto, o coração do imperador volta para o Itamaraty, onde ficará exposto inicialmente a autoridades e convidados do corpo diplomático, na Sala Santiago Dantas, climatizada para servir de exposição e cripta. Entre os convidados estão integrantes da família imperial. A relíquia ficará aberta para visitação pública, no próprio Palácio do Itamaraty, de 25 de agosto a 5 de setembro.

O governo brasileiro já anunciou que, em respeito à memória de dom Pedro 1°, tratará a presença do coração do antigo monarca com as mesmas honras de Estado dispensadas a chefes de outras nações em visita ao país. 




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