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Ato contra professor que usou roupa da Ku Klux Klan pede fim ao racismo

Protesto ocorreu na tarde de ontem na Escola Estadual Amaral Wagner, em Santo André; vestimenta do grupo supremacista foi queimada por manifestantes

Thainá Lana
Do Diário do Grande ABC
23/12/2021 | 00:01
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Claudinei Plaza/ DGABC


“É muita luta e mobilização, fora racistas, vocês não passarão.” As palavras de protesto foram entoadas por alunos e pessoas de movimentos sociais e estudantis que participaram ontem à tarde de manifestação contra o professor de história da Escola Estadual Amaral Wagner, em Santo André, que circulou pela instituição com vestimenta que remete à Ku Klux Klan. Durante o ato, manifestantes atearam fogo em um boneco com traje que faz alusão ao grupo supremacista branco dos Estados Unidos e pediram por providências sobre a situação.  

O episódio aconteceu no início deste mês, durante celebração do fim do ano letivo, quando  estudantes e professores foram fantasiados para o evento escolar. O docente circulou pela quadra com a peça de roupa do grupo norte-americano, e foi gravado por estudantes. O vídeo circulou somente nesta semana nas redes sociais e, devido à repercussão do caso, o professor foi afastado das suas atividades e também foi aberta uma apuração preliminar para averiguar o caso. 

Durante o protesto, os manifestantes foram informados que seria liberada a entrada na escola para apenas três representantes. A deputada estadual Mônica Cristina Seixas Bonfim (Psol), um representante da  Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e outro do Movimento Negra SIM – Movimento de Mulheres Negras de Santo André –, participaram da conversa com a coordenação e corpo docente da escola, além de dois representantes da Secretaria da Educação do Estado. 

Segundo a deputada, o grupo exigiu que “para além da punição do professor, a escola se reconhecesse como culpada de um ato racista, na medida em que não evitou que o professor fizesse o ato nem encaminhou nenhuma reparação às vítimas. Quando tem um ato racista a gente não quer só a punição do culpado, a gente quer que negros e negras voltem a se sentir confortáveis no ambiente onde foram hostilizados”, finaliza.

Ainda hoje será protocolada uma carta de repúdio na Diretoria de Ensino de Santo André, devido à falta de posicionamento do órgão sobre o caso. A nota conta com a assinatura de 14 entidades da região, incluindo o Grupo de Trabalho da Igualdade Racial do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, e solicita “uma posição da Diretoria de Ensino em relação a esse ato racista, reportando a todas as prefeituras que contêm organismo de promoção de igualdade racial e ao conselho municipal da igualdade racial com as ações que serão tomadas”, finaliza a carta. 

INVESTIGAÇÃO

Em entrevista exclusiva ao Diário, o chefe de gabinete da Secretaria da Educação do Estado, Henrique Pimentel, informou que o professor não retornará à escola enquanto a investigação estiver em curso e até que seja emitido um parecer sobre a situação, que deve ocorrer ainda este ano. Para ele, a atitude do docente foi “repugnante e extremamente grave”. “A nossa escola tem que ser um ambiente seguro e acolhedor, e a atitude desse professor não condiz com isso", ressalta.

Além do professor, a coordenação da escola deverá ser responsabilizada pelo ocorrido. Pimentel reforça que será aberta uma apuração contra o diretor da unidade para investigar por que a Secretaria de Educação não foi notificada imediatamente após o ato, conforme estabelece o protocolo. “A secretaria só tomou ciência do fato nesta semana, quando foram tomadas as medidas administrativas cabíveis à pasta. A responsabilidade da notificação é do diretor da escola, e por isso ele também será investigado”, finaliza. 

LUTA ANTIRRACISTA

A manifestação contou com o apoio de representantes de diversos coletivos, como Mulheres Olga Benario, Ares ABC, UneAfro, União da Juventude Rebelião, Raiz da Liberdade, entre outros, que discursaram durante todo protesto sobre a luta antirracista no País. Regina Lúcia dos Santos, 67, coordenadora estadual do Movimento Negro Unificado de São Paulo,  viajou 58,5 quilômetros para poder participar do ato. “Quem é mãe de um filho negro não dorme enquanto ele não chega em casa, e só quem vivencia a violência sabe do que estou falando. Se eles ensinaram a ser racistas, nós vamos ensinar a eles ser gente”, falou a coordenadora, sob aplausos dos manifestantes.

A secretária de combate ao racismo da CUT (Central Única dos Trabalhadores) de São Paulo e fundadora da Negra SIM, Rosana Aparecida da Silva, 56, exalta a importância de se manifestar como ato de resistência. “O povo negro já sofre violência diariamente fora da escola, uma pessoa negra não pode ir a um shopping ou supermercado sem que o segurança venha atrás. A escola deveria ser um espaço seguro e de inclusão para nossos jovens. Estar nesse ato, ao lado da população negra, é um ato para resistirmos contra o racismo”, finaliza a secretária. 

EMBATE COM A POLÍCIA

Já na reta final do protesto, dois manifestantes invadiram a escola e quando pularam o muro de volta foram surpreendidos pela Polícia Militar, que acompanhou o protesto desde o início. Os homens tentaram fugir, mas foram encurralados pelos PMs na saída da rua. O grupo presente fez um cordão humano em volta dos rapazes, que impediu a ação policial. 

Ação cobra ensino da cultura afro-brasileira nas escolas 

Uma das principais demandas dos professores presentes na manifestação de ontem à tarde foi a implementação de conteúdos pedagógicos sobre a cultura afro-brasileira na grade curricular das escolas da região.

A medida já deveria ser uma realidade, pois desde 2003 está em vigor no Brasil a Lei Federal 106.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos fundamental e médio. A lei também determina que o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, faça parte do calendário escolar. 

Representante do Conescs (Conselho Municipal da Comunidade Negra), Jacira Raimunda Capela, 54 anos, esclarece que a carta de repúdio que será entregue hoje na Diretoria de Ensino de Santo André também tem o objetivo de pressionar o sistema educacional para que promova uma mudança real na grade curricular. 

“Mesmo com a lei, a história e cultura afro-brasileira não são ensinadas nas escolas. Nossa ideia é visitar todas as secretarias de Educação da região, uma a uma, para que seja algo real e não apenas falado em datas comemorativas. A lei foi implantada, mas não implementada”, enfatiza Jacira, que ainda explica como será realizada essa medida.

“Primeiro, iremos promover formação para os docentes que atuam no Grande ABC, para que eles possam ser agentes transformadores nas salas de aula, e assim repassem o conteúdo aos estudantes. Também pretendemos atuar diretamente com os alunos, porque a luta antirracista é de todos, e para isso é preciso informação e conhecimento”, diz a representante.

AÇÕES PÚBLICAS

Segundo o chefe de gabinete da Secretaria de Educação do Estado, Henrique Pimentel, no começo do ano a pasta distribuiu a todas as escolas vários livros étnico-raciais para serem trabalhados e desenvolvidos nas turmas dos ensinos fundamental e médio. Entre os títulos enviados estão Mulheres, Raça e Classe, da filósofa e teórica feminista norte-americana Angela Davis; Racismo Estrutural, do filósofo e professor universitário Silvio Luiz de Almeida; e Pequeno Manual Antirracista, da filósofa, professora e militante feminista e antirracista brasileira Djamila Ribeiro.

FALA POVO

“Não foi um ato ingênuo.O racismo a gente não discute, tem que ser combatido.” 
Márcia Raquel do Nascimento, 55 anos, professora, moradora de Santo André.

“Como homem negro fiquei revoltado. A escola foi omissa diante de um caso de racismo.” 
Felipe Carvalho Alves, 18 anos, estudante, morador de Santo André. 

“Não podemos aceitar o racismo na escola ou em lugar nenhum. Tudo o que estamos alcançando é através de muita luta.” 
Magda Sueli Procópio, 47 anos, mãe de aluno, moradora de Santo André.




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