A linguagem cinematográfica realmente invadiu a televisão em Sinhá Moça, novela da Globo. Longos planos gravados em trilhos com apenas uma câmara, edição lenta, fotografia cuidadosa e uma imagem em alta definição, alcançada graças ao aparelho HD (high definition), que apresenta uma imagem melhor que a digital, mostram que uma cena de novela facilmente poderia ser confundida com um take de um longa de época.
Mas é justamente aí que mora o perigo. Televisão não funciona tão bem com a linguagem de cinema, pois são como idiomas distintos. Enquanto num longa uma cena extensa tem um motivo específico para mostrar um conflito de um personagem, por exemplo, se isso ocorre numa novela consecutivamente, o ritmo diminui e a trama passa a impressão de que se arrasta entre os intervalos comerciais – e se arrisca a cansar o público, que pode pensar em mudar de canal após o primeiro bocejo de uma cena mais longa.
Por enquanto, a satisfatória audiência de 34 pontos de média, com share de 58%, indica que isso ainda não aconteceu. Talvez pelo afinado elenco que tem dado verdadeiras aulas de atuação, começando pelo multifacetado Barão de Araruna, de Osmar Prado. O ator consegue imprimir diversas nuances a um tipo que poderia simplesmente ser tachado com o estigma de vilão. Mas Osmar ultrapassa o limite do texto com expressões e imprime com sutileza uma personalidade dúbia e humanizada ao Barão que volta e meia pode ser visto em interessantes diálogos com Rodolfo, do aplicado Danton Mello. Mas é o núcleo do Barão que realmente mais surpreende na trama.
Patrícia Pillar, como a recatada Dona Cândida, mulher do temido Barão, nem precisa das falas para expressar os conflitos da personagem por meio da sua leitura facial. Mas na contramão do seu núcleo, Débora Falabella muitas vezes erra na mão da geniosa Sinhá. A seqüência em que ela recebe uma rosa vermelha do misterioso mascarado chega a ser caricata, de tão exagerada. Em contrapartida, em alguns momentos, a atriz controla a dosagem das inseguranças e receios da personagem, sempre bem acompanhada da estreante Lucy Ramos, que mostra a que veio na pele da mucama Adelaide.
Em quase todas as cenas da trama é visível também acertos com a caprichada fotografia e os efeitos especiais de Paulo César Batista, que plasticamente ajuda a contar uma história da época em que não existia luz elétrica. Também é confortante a constante impressão da luz da lua cheia nas cenas noturnas. Aliás, esse clima de “luar do sertão”, sempre tão presente em quase todos os capítulos da trama, nos remete aos clássicos deste horário das seis.
Em meio a este romantismo, muitas vezes o ritmo se arrasta em cenas longas demais, normalmente utilizadas apenas no primeiro capítulo das tramas. Esse recurso por ve-zes dá a impressão que o HD parece um “brinquedo novo” nas mãos do diretor Ricardo Waddington. O que também parece novo – e não devia – é o belo figurino de Helena Gastal, sempre absolutamente impecável, o que deixa de ser correto à medida em que não empresta a necessária naturalidade nas roupas. Faltam algumas mais envelhecidas e com aparências de usadas.
De um modo geral, a cada capítulo que se assiste deste remake de Benedito Ruy Barbosa, tem-se a impressão de que a falta de agilidade é proposital, para remeter o telespectador ao ritmo pontuado e constante de uma cadeira de balanço numa casa grande.
Como se fosse uma espécie de senha para um túnel do tempo, onde se mostra não apenas uma trama de época, mas uma pausada velocidade de edição que lembra outros tempos. E lembra também outra trama de Benedito – Pantanal, de 1990, pontuada pelos repousantes vôos dos tuiuiús pantaneiros.
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