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Livro 'Música Impopular' ganha nova versão
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
29/05/2003 | 20:05
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Mais do que maestro, compositor e músico, o paulistano da Lapa Júlio Medaglia, 65 anos, é um dos mais ativos agitadores culturais do país. Incansável e com uma aparentemente inesgotável capacidade de luta, Medaglia é tão combativo no pódio quanto escrevendo. A Editora Global está colocando nas livrarias uma nova versão de seu livro Música Impopular (280 págs., R$ 35), originalmente editado em 1988, reunindo um pouco de suas colaborações para a imprensa e artigos e entrevistas inéditos.

Trata-se de leitura obrigatória para os que querem conhecer mais a fundo – e de modo inteligente, agradável e acessível – a grande aventura da música no século XX. Música sem adjetivos, já que Medaglia transita com desenvoltura tanto na alta quanto na média e baixa culturas, como diz Décio Pignatari na apresentação da nova edição. Assim, cabem em Música Impopular tanto um belo e extenso perfil do compositor francês Claude Debussy, “o primeiro compositor moderno”, segundo o autor, quanto uma esclarecedora entrevista de Medaglia sobre trilhas sonoras (ele é um emérito especialista, tendo assinado dezenas de trilhas, entre outras para a telenovela Os Imigrantes e a minissérie global Grande Sertão Veredas). Nomes como Stravinsky, John Cage, Pierre Boulez e Stockhausen – alguns dos mais radicais criadores da música do século XX – convivem com Frank Zappa (dos poucos roqueiros salvos por Medaglia), Beatles e Orlando Silva (comparado com o barítono alemão Districh Fischer-Dieskau).

Júlio escreve com conhecimento de causa, pois vem circulando por todos os eixos da vida musical brasileira nas últimas décadas (ele fez parte do Grupo Música Nova, ao lado de Rogério Duprat, Damiano Cozzella, Gilberto Mendes, entre outros, e estudou regência e composição na Alemanha por dez anos).

Também dirigiu, para ficar somente na última década, as orquestras dos teatros municipais do Rio e São Paulo, regeu a cantata cênica Carmina Burana, de Carl Orff, e a ópera Aida, de Verdi, em estádios de futebol; dirigiu o Festival de Inverno de Campos do Jordão; selecionou os músicos e implementou a Amazonas Filarmônica em Manaus, tocando o primeiro Festival de Ópera da capital amazonense, hoje amplamente consolidado; e também lidera o Festival de Ópera de Belém do Pará, entre outras atividades propriamente musicais.

Imbecilização coletiva – São, ao todo, vinte artigos que atravessam o século passado, de Debussy, Stravinsky, Schoenberg, Charles Ives e Erik Satie até o rock (“aids da música atual”). Nas sete últimas páginas, “Da belle époque à belle merde”, artigo mais recente, escrito para esta edição de Música Impopular, Medaglia faz uma síntese: “O furor criativo no início do século XX na área cultural foi tal que em poucos anos se conheciam mais ismos que no restante da história; e no segundo pós-guerra, parecia que esse ímpeto renovador voltara com o reconhecimento do dodecafonismo, do serialismo, o despertar dos aleatorismos e happenings, com a implantação da música concreta e eletrônica (...) nas últimas décadas, ao contrário, não se teve conhecimento de novas idéias, tendências ou estilos. Chegou-se ao final do enfeitiçado século com projetos ainda mais reacionários que o do neoclassicismo do entre-guerras. Chegou-se mesmo a um neo-romantismo piegas através de autores como Górecki, Lutoslawski e Philip Glass”. Na realidade, acentua Medaglia, o cruzamento da “tecnologia com a cultura, apesar das maravilhas apresentadas, mostrou um saldo mais negativo que positivo. Produção artística virou indústria e como tal teve de ser feita no ritmo dos bens de consumo comuns”. Com o tempo, inevitavelmente, “a ordem foi simplificar o repertório, carregar na pirotecnia, caprichar na embalagem, passar como um trator sobre as manifestações regionais, padronizando os gostos nivelados por baixo – iniciando-se praticamente um processo de imbecilização coletiva, que facilita e impulsiona o mercado, o consuma & descarte.”

Quem quiser saborear o caviar cultural que é produzido em nichos específicos e privilegiados, consola-se o autor, “deverá descobri-los por si próprio – caviar esse cada vez menos servido às gerações seguintes, vítimas desse massacre via satélite”.

Qual a saída? “O coletivo, hoje tratado como gado, como débil mental pela indústria cultural, já mostrou que pode ter sensibilidade, que gosta de consumir o biscoito fino a que se referia Oswald de Andrade. Só nos resta esperar que a produção da atual indústria cultural sature a todos e logo com suas imbecilidades e que aos poucos os produtores tenham necessidade de impregnar a ciranda do consumo com idéias e produtos novos de melhor qualidade, oriundos não do maneirismo oportunista e mercantilista, mas do talento humano”.




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