População, estimada em 21 mil pessoas no Brasil, tem maior sensibilidade ao calor; preconceito é inimigo
Um guerreiro mítico, filho da lua, que tem o poder de defendê-la de ataques de um dragão que tenta devorá-la, sempre que há um eclipse lunar. A lenda panamenha explica a grande incidência de albinos na província de Guna Yala, que tem entre 5% a 10% da população com essa condição genética. Um jeito bonito de explicar por que crianças de pais brancos, pardos ou negros nascem com a pele muito clara, pelos e cabelos loiros, e assim vão permanecer pelo resto da vida. Não tão bonita é a falta de informação sobre os albinos, que no Brasil são estimados em 21 mil pessoas, e que com a chegada do verão e o fato de não terem melanina no corpo, enfrentam dificuldades e desafios.
A empresária Shirlene Regina Angotti da Silva, 45 anos, é mãe da pequena Lorena, 5. A criança é albina e a família, que mora em Santo André, tem grande dificuldade para encontrar óculos com lentes que a protejam efetivamente, já que tem fotofobia, condição comum aos albinos. Também são altos os gastos com protetor solar. “No começo do ano estive nos Estados Unidos e já trouxe um estoque, porque aqui são muito caros”, explicou Shirlene.
Bem resolvida, Lorena é incentivada pelos pais a se ver como diferente das outras pessoas, mas sem que isso a faça se sentir inferior. “Ela sabe da condição dela e não negamos isso, nem sonegamos informação. Sabe que é diferente por não fabricar melanina, que não enxerga como as outras pessoas. Ensinamos que ela é imagem e semelhança de Deus”, pontuou a mãe. “Que ela veio diferente, mas que é somente isso. Por desde sempre a tratarmos dessa forma, não sentimos nenhum problema de aceitação ou autoestima”, concluiu.
O preconceito, no entanto, é bastante presente na vida dos albinos. Moradora de São Bernardo, Liliane dos Reis Oliveira, 23, relatou ocasião em que estava viajando com o marido, que também é albino, e viu uma pessoa se afastar dele, nitidamente desconfortável. “A gente às vezes ouve algumas coisas desagradáveis”, pontuou. Além desses aborrecimentos, sair de casa em dias de calor é um grande desafio, pela dificuldade em manter os olhos abertos.
Outro desafio é encontrar profissionais que estejam preparados para cuidar desse público. Liliane afirmou que já passou em dermatologistas que não sabiam como atendê-la adequadamente, e o mesmo já ocorreu com oftalmologistas. Somente há dois anos, quando passou a integrar um programa especializado para albinos, conseguiu atendimento adequado.
A estudante Dayane Nascimento Galdino, 20, moradora de Diadema, define bem o sentimento de albinos brasileiros. “É muito cansativo ser albina em um país tropical como o Brasil. As pessoas têm uma ideia errada, de que a gente não gosta ou não pode tomar sol, e a gente só tem que ter mais cuidado por causa da sensibilidade da pele”, explicou.
“O sol pode afetar a nossa pele e no verão a gente tem que fazer tudo mais cedo, e mesmo dentro de casa a gente tem que usar protetor solar, boné, óculos escuros”, citou a estudante.
Dayane também não conseguiu atendimento de saúde adequado na rede do município, e há cerca de dois anos faz parte de programa específico para albinos. “Nos médicos que passei sentia que eles faziam coisas mais paliativas, como falar da importância do uso do protetor solar e sobre prevenir a exposição ao sol, sempre se referindo ao cuidado dermatológico”, relatou. “Mas foram poucas as vezes que cheguei a fazer exames de sangue, por exemplo, para verificar se a vitamina D estava adequada, porque é muito comum a deficiência entre albinos, e a gente precisa fazer reposição”, concluiu.
Condição genética afeta um em cada 20 mil bebês em todo o mundo
O albinismo é uma condição genética recessiva que afeta um a cada 20 mil bebês nascidos no mundo. Não existe levantamento no Brasil de quantas pessoas apresentam essa condição, e esse é um dos fatores apontados por especialistas como problema no atendimento dessa população. Apesar de não transmissível de uma pessoa a outra, é classificada como genodermatose, doença de pele ocasionada por alteração genética que pode ser herdada da família, mas também pode aparecer como casos únicos, explica a professora de dermatologia da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC) Cristina Laczynski.
“É uma das que chamamos como doença estigmatizante, porque existe muito preconceito, que temos que combater com informação”, destacou.
A especialista pontuou que os albinos precisam fazer acompanhamento médico, especialmente com dermatologistas e oftalmologistas, o mais precocemente possível. “Não é transmissível, não afeta de maneira muito importante a vida da pessoa, e dentro dos cuidados que se possa ter, o albino pode levar vida normal”, concluiu.
Médica especializada em nutrologia, Renata Domingues de Nóbrega é a idealizadora do Instituto Nóbrega, organização em prol dos albinos. Localizado na Zona Sul de São Paulo, o instituto tem como missão conhecer iniciativas no Brasil e impulsionar ações em benefício dessa população. Renata explicou que existem 19 tipos diferentes de albinismo e que o mais comum no Brasil é óculocutâneo, que afeta olhos e pele.
Mapeamentos genéticos podem identificar qual tipo de albinismo a pessoa tem e ajudar a evitar doenças como câncer de pele, mas é um exame ainda inacessível para a maioria, relatou a médica. “Faltam informações tanto para os profissionais de diferentes áreas, como saúde, educação, trabalho, para lidar com essas pessoas, quanto falta informação sobre os albinos, sobre quantos são, por exemplo”, afirmou Renata.
Entre os poucos estudos, já identificou-se que a maioria dos albinos no País tem entre 18 e 60 anos, são do sexo feminino, entre outras informações, como a que mulheres pardas têm mais filhos albinos que negras e brancas, enquanto os pais brancos têm mais herdeiros albinos que os negros e pardos. “É importante falarmos sobre isso, lembrar que eles têm totais condições de se formar, estar no mercado de trabalho e muitos não conseguem por causa do preconceito”.
União vai enviar R$ 43 mil para a região
O Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos vai enviar para quatro cidades da região R$ 43 mil, para que os municípios de Santo André, São Bernardo, Diadema e Ribeirão Pires possam mapear, cadastrar e conhecer os brasileiros com albinismo. Ribeirão vai receber R$ 13 mil e as outras, R$ 10 mil cada. Em todo o País, serão destinados R$ 7,1 milhões para 504 cidades. Foram contemplados os municípios que registraram atendimento de pessoas albinas em serviços da atenção primária nos últimos quatro anos
Entre as cidades que vão receber os recursos, poucas têm dados sobre a população. São Bernardo informou que conta com 16 registros de pacientes albinos nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) do município, desde o início da atual gestão. A despeito do que alegaram os especialistas, a administração afirmou que não há necessidade de assistência específica para este público, devido à baixa demanda, e que os cuidados de saúde recomendados para os albinos são iguais ao de qualquer outra pessoa, com exceção do uso de protetor solar contínuo, independentemente de exposição ao sol, conforme orientação do dermatologista. O recurso será aplicado na atenção básica, junto deste público.
Diadema não informou quantos pacientes albinos são acompanhados pelas UBSs e afirmou que as necessidades são identificadas e atendidas, para cada indivíduo, conforme a oferta de serviços municipais ou estaduais referenciados. O recurso será utilizado no financiamento de ações e serviços de saúde. Ribeirão Pires também não informou o número de pacientes, mas destacou que eles podem buscar atendimento e orientações na rede municipal de saúde. A cidade conta com três profissionais dermatologistas na rede, que atendem no Centro de Especialidades Médicas, localizado na Rua Aurora, 61, no Centro Alto. Quanto ao repasse, a Prefeitura aguarda notificação do governo federal, para que sejam definidas ações de trabalho junto à equipe técnica.
São Caetano informou que não consta registro de atendimentos a pacientes albinos, e que a cidade mantém profissionais especializados em todas as áreas, como dermatologia, oftalmologia e cardio, entre outras, para realizar acompanhamento trimestral. Santo André, Mauá e Rio Grande da Serra não responderam até o fechamento desta edição.
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