“Borandá” é corruptela para “vamos embora andar”. A grande motivação do deslocamento humano em massa está na procura de melhores condições de vida, e essa premissa não sai de foco. A fim de desenhar um panorama épico do migrante, “o que peregrina por uma cultura que é sua, por uma nação que é sua e por um território que não é seu”, Abreu, Freire e a Fraternal não dispensam uma postura crítica e humanista.
E trabalham com o teatro narrativo. Os atores (Aiman Hammoud, Ali Saleh, Edgar Campos, Luti Angelelli e Mirtes Nogueira) se desdobram entre a interpretação e a narração, estimulando o público a formular, com a própria imaginação, o espetáculo. Essa proposta artística configura-se também como político-ideológica ao se recusar a subestimar o espectador, propondo a ele a liberdade conjunta da criação.
Consciente, o elenco sabe porque está no palco. Utiliza os poucos elementos cênicos com a sabedoria de um experimentado artesão diante de seus instrumentos de trabalho. Os atores brincam com os personagens sem a intenção de iludir – no mau sentido – a platéia.
As três histórias que constroem esse painel do migrante são independentes. A primeira é a de Tião Cirilo (Saleh), que tem uma trajetória de vida comum. A Tião é dada toda a dignidade que na maioria dos casos é retirada pela opressão social típica das metrópoles.
A segunda, uma saga mítica de contornos populares que remete a Macunaíma, é a de Galatéa (Angelelli), cuja mãe pariu aos 90 anos e cujo cérebro foi roubado por um urubu-rei. A peripécia de Galatéa se dá em meio a uma estranha profecia. A história de Maria Déia (Mirtes), que enfrenta todo tipo de obstáculo para criar seus filhos, é pungente sem ser chorosa – não se pretende arrancar lágrimas gratuitas de ninguém.
Indicado ao Prêmio Shell, o elegante texto adota a perspectiva popular. Surgem, assim, expressões como “quem comanda a casa e não tem competência chama cachorro de compadre e burro de excelência” e “sapo não pula por boniteza, pula por precisão”. Esse feliz encontro da cultura popular autêntica com a chamada erudita resulta num belo espetáculo.
Borandá – Comédia. Dramaturgia de Luís Alberto de Abreu. Direção de Ednaldo Freire. Com a Fraternal Cia. de Arte e Malas-Artes. Sextas e sábados, às 21h, e domingos, às 19h. No teatro Paulo Eiró – av. Adolfo Pinheiro, 765, São Paulo. Tel.: 5546-0449. Ingr.: R$ 10. Até 28 de março.
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