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Peça de Plínio Marcos estréia em teatro de strip-tease
Do Diário do Grande ABC
08/06/2000 | 16:24
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O universo dramático sem concessoes fáceis ao bom sentimento do dramaturgo Plínio Marcos continua presente. Morto em novembro, o autor ainda é referência para novas montagens e a Companhia Teatral Tanga de Couro faz sua estréia sábado, à meia-noite, radicalizando. Encena Dois Perdidos numa Noite Suja, texto impactante sobre o comportamento da marginalidade, em um teatro fora do circuito tradicional: localizado em meio a outros palcos especializados em strip-tease, no centro de Sao Paulo, o Orion oferece boa acomodaçao à violenta história de Tonho e Paco, dois despojados sociais, que travam um tenso diálogo até um final trágico.

"Escolhemos um teatro especializado em shows pornográficos por ser o local mais próximo da concepçao de texto e da própria origem do Plínio, que foi estivador, funileiro, palhaço de circo e também ator", explica Lula Jorge, 24 anos, analista sênior de Finanças de um banco de investimentos que faz sua estréia profissional como ator ao lado do também estreante Guilherme Pereira, 23, estudante do 5º ano de Engenharia da Escola Politécnica da Universidade de Sao Paulo.

Apesar de freqüentadores habituais de locais típicos da classe média, Lula e Guilherme decidiram aprofundar-se em uma linguagem cênica popular e, desde janeiro, investiram no aprimoramento de um estilo natural de interpretaçao. Para isso, vestiram-se de trapos, esqueceram dos modos burgueses e conviveram com mendigos de diversos bairros da capital, misturando-se entre eles.

A partir da observaçao, descobriram detalhes valiosos para a composiçao de seus personagens, como a forma que um mendigo segura uma colher, faz a barba e até assoa o nariz. Depois de descobrir nas ruas uma carga emocional, a dupla começou o trabalho de lapidaçao com o diretor Jairo Maciel, que acompanhou Plínio Marcos durante seus últimos anos. Ele optou por uma direçao que exigisse mais fisicamente dos atores.

O passo seguinte foi ensaiar a peça, nas noites de domingo, nos vaos livres da Praça Roosevelt, na regiao central, em meio a mendigos, menores abandonados e restos de alimentos. "A base do trabalho foi conseguir o máximo de naturalismo na interpretaçao, dispensando gestos dispensáveis de braços e pernas", comenta Jairo, auxiliado pela platéia. "Quando os atores nao representavam de forma natural, os próprios mendigos reclamavam em plena cena".

A decisao de encenar em um teatro como o Orion despertou atençao. Vera Artaxo, viúva de Plínio Marcos, aprovou a decisao e gostou do trabalho, que acompanhou na semana passada, durante uma pré-estréia. "Trata-se do ambiente realmente mais próximo do imaginado por ele", comentou.

Mortadela - As dançarinas que trabalham na maratona diária de strip-tease (das 13h às 23h30) participaram ativamente dos ensaios, interessadas até no aquecimento corporal que os atores fazem antes de entrar em cena. "Elas adotaram nossos exercícios vocais e passaram a nos ajudar", comenta Guilherme. "E, na pré-estréia, foi empolgante, pois as meninas gritaram, os seguranças levaram suas famílias, os porteiros levaram sanduíche de mortadela para comer durante a peça".

Responsáveis pela produçao que consumiu cerca de R$ 15 mil, os atores cuidaram também da divulgaçao da peça, espalhando o cartaz pela cidade. Aos poucos, a curiosidade cresceu, principalmente entre as mulheres. "Percebemos que a curiosidade feminina em conhecer um lugar como o Orion é muito grande", conta Lula. "Cerca de 70% das reservas foram feitas por mulheres".

E, para completar o universo criado por Plínio Marcos, os atores decidiram aumentar a produçao com mais personagens. Assim, entre as cenas, a atriz Daniela Sevieri interpreta uma prostituta que nao tem falas, apenas provoca os protagonistas. A recepçao também será inusitada: um bêbado, um cafetao e uma senhora louca aguardam o público. Na apresentaçao da semana passada, os personagens provocaram um certo desconforto. "Mas acabaram ajudando muito a encaminhar a platéia no submundo que pretendemos apresentar na peça", explica Lula.




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