Docentes relatam falta de material específico para esse público, que enfrenta dificuldades com tecnologia
Marinalva Brito, 46 anos, é empregada doméstica e está cursando na EJA (Educação de Jovens e Adultos) de Diadema o equivalente ao 3º ano do ensino médio. Se preparava para fazer o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e futuramente cursar gastronomia, quando as aulas presenciais foram interrompidas. Agora, de casa e pelo celular, tenta manter a rotina de estudos e o filho Jeferson, 12, tem ajudado no envio e recebimento dos materiais.
Também estudando em Diadema, Marlene Pinheiro, 47, cursa o equivalente ao 7º ano do ensino fundamental. Sente falta do convívio com os colegas e, principalmente, de contar com os professores para tirar as dúvidas. “Minha nora é professora e me ajuda de vez em quando”, relata. Atualmente desempregada, Marlene não sabe se poderá prosseguir os estudos, porque precisa voltar ao trabalho e garantir o pagamento do aluguel.
Já Charles Soares, 30, aluno em Santo André, não tem conseguido receber nem enviar as atividades preparadas pelos professores, porque não possui acesso à internet e está com medo de sair para usar o computador na casa de parentes e contaminar os pais, que são idosos, com o novo coronavírus.
Diferentemente de crianças e adolescentes, que normalmente podem se dedicar apenas aos estudos, alunos que frequentam a educação de jovens e adultos enfrentam outras dificuldades, como conciliar as aulas remotas às próprias necessidades de sustento, bem como driblar a falta de domínio total de tecnologias. Professores de diferentes redes também apontam que a falta de material específico para esse público é mais um fator impeditivo e relatam adesão menor do que das outras turmas ao ensino remoto.
Professora da rede municipal de Santo André, Thais Silva relatou que a adesão dos alunos às atividades têm sido baixa e o resultado do que é entregue explicita a dificuldade que os estudantes encontram, tanto de compreensão quanto de resolução do que é proposto. “Para quem não tem acesso à internet estamos entregando material impresso e eles se expõe ao risco saindo de casa. A maioria dos alunos é carente e o ideal era que recebessem esse material em casa”, argumenta.
A docente também critica a determinação de apontar falta para aqueles que não estejam participando, o que poderia ocasionar desligamento do aluno. “Diferenças sociais e exclusão já permeiam a realidade dos discentes da EJA e não podem ser adotadas medidas autoritárias e impositivas que colaborem diretamente para o aumento exponencial deste cenário”, conclui.
Professora da rede estadual em Diadema, Rozelia Herculano Duarte, 42, citou que uma grande dificuldade é a falta de material preparado para essa turma, como foi feito com alunos de outros ciclos, que receberam apostilas. Rozelia também tem sentido que “muitos não conseguem enviar (as atividades) e os filhos é quem fazem”.
A docente observa que menos de 30% de seus alunos têm participado ativamente e destaca que os professores têm tentado de todas as formas manter os contatos, por aplicativos de mensagem e páginas no Facebook, mas que é frustrante perceber que nem todos os alunos estão sendo alcançados. “Há um receio não só de evasão, como de não abrir novas salas. E há preocupação dos próprios alunos em não conseguir terminar o ano letivo ou passar sem ter aprendido quase nada”, avalia.
Também da rede estadual em Diadema, Renata Lisboa, 47, reforça que os professores têm sido criativos e se desdobrado a fim de fazer com que o menor número de alunos desista. “Não é o momento de dificultar. Eles já carregam uma história de insucessos. Complicar em fase, na qual já existem tantas outras dificuldades, só piora o processo educacional.”
Redes estadual e municipal reúnem 21 mil alunos
As turmas de educação de jovens e adultos na região reúnem 21.024 alunos, sendo 11.709 no Estado e 9.315 nos municípios.
Em Santo André, 2.448 estudantes estavam matriculados em maio, e segundo a administração municipal, foram traçadas diretrizes para atender esse público, considerados o planejamento dos professores e os projetos políticos pedagógicos de cada escola. “O trabalho realizado preconiza a equiparação de oportunidades na condução das propostas, considerando a caracterização da comunidade e sua escolha pelo melhor recurso”, diz a Prefeitura.
Apesar da alegação de professores de que a adesão dos alunos têm sido baixa, o governo andreense afirma que a maioria dos estudantes têm participado das aulas e que não procede que haja orientação para desligamentos de faltosos.
Em São Bernardo, são 3.431 alunos matriculados e, durante o período de isolamento físico, as unidades escolares têm utilizado diferentes estratégias na tentativa de acessar os alunos e promover a continuidade de suas aprendizagens, entre essas: contato via diferentes redes sociais, blog, YouTube, e-mail, WhatsApp e telefonemas. Para quem tem dificuldade de conexão com a internet, são agendadas entregas de materiais impressos, obedecendo as medidas sanitárias. Cerca de 80% dos estudantes têm participado, segundo a administração.
São Caetano tem 272 alunos nas turmas de EJA e todos usam a plataforma Educação Conectada, pela qual a rede recebe as aulas on-line. Quem não tiver nenhum tipo de acesso ao site, seja por meio de computador ou celular, pode solicitar material impresso. No ensino médio, a participação tem sido de de 97%. No ensino fundamental não foi informada a adesão.
Diadema conta com 2.172 alunos, que acessam os conteúdos por meio do Portal da Educação. Para quem não tem acesso à internet, o material está sendo entregue impresso. A Secretaria de Educação disponibilizará em breve caderno impresso com propostas pedagógicas. Não foi informado o índice de participação.
Em Mauá, a Prefeitura afirma que 66% dos 912 estudantes têm conseguido participar das aulas, com atividades desenvolvidas pelos professores – sem material ou aplicativo específico – e enviada por aplicativo de mensagens. Também há material impresso para quem precisar.
Em Ribeirão Pires, 80% dos 80 alunos das turmas de EJA acompanham regularmente as aulas a distância, promovidas com auxílio de aplicativo de mensagens e acompanhamento telefônico e material impresso para quem não tem acesso à internet. Na rede estadual, são 11.709 estudantes matriculados, que podem acompanhar as aulas pelo aplicativo Centro de Mídias e por roteiros de estudos disponibilizados pelas escolas e professores. A orientação da Secretaria de Estado da Educação é que sejam acomodadas as diferentes realidades da comunidade escolar e as especificidades de cada aluno.
Aprendizado sobre desigualdade social é necessário, afirma educadora
Socióloga e educadora, com atuação na formação de gestores e professores no Brasil e em projetos de cooperação técnica internacional, Ednéia Gonçalves avalia que o grande aprendizado para a educação na pandemia é sobre desigualdade social. Que é preciso entender o público que frequenta as turmas de educação de jovens e adultos, sem alijá-los da possibilidade de acesso à novas tecnologias educacionais. “Qualquer política pública que tenha como princípio a ideia de homogeneidade no acesso à tecnologia e outras ferramentas de acesso a conteúdo a distância é inadequada”, sintetiza.
A educadora pontua que o uso de aplicativos como WhatsApp é uma realidade, tendo em vista que faz parte da vida cotidiana de grande parte dos estudantes, mas essa ferramenta é pouco diante das demandas por um projeto político pedagógico equitativo.
“Acredito que uma política pública que reconhece as diferentes presenças e trajetórias culturais e sociais que se encontram na escola necessita dedicar tempo à pesquisa e formação docente direcionadas a atender às especificidades do processo de ensino e aprendizagem das pessoas jovens e adultas em todas as suas dimensões”, esclarece.
“Emergencialmente, o que é possível e necessário é engajar-se e estreitar os laços e o conhecimento acerca das soluções particulares e dinâmicas coletivas para a sobrevivência física e simbólica de todos os entes da comunidade escolar”, completa. Edneia frisa que essa é a função social da escola, sobretudo neste momento em que as comunidades vivenciam o luto, o medo, o desemprego, a necessidade de isolamento físico e a violência, principalmente aquela que vitima a população jovem e negra, que se amplia nas periferias. “A escola não pode tornar-se mais um fator de estresse e de ampliação das desigualdades sociais”, conclui.
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