No Brasil as novelas são consideradas o espelho da sociedade. E as tramas e personagens só mudaram ao longo dos anos para acompanhar a evolução comportamental dos próprios telespectadores. Não seria diferente com a percepção que o público tem de mocinhos e vilões.

Na novela global Passione, Clara (Mariana Ximenes), descobre que Bete Gouveia (Fernanda Montenegro) tem um filho na Itália que é acionista da metalúrgica da família. A vilã, então, vai para Europa e seduz o filho bastardo Totó (Tony Ramos) de olho na herança. Porém, uma pesquisa realizada pela Globo mostrou que o público quer que a história se reverta e a vilã fique boa. A justificativa é de que a jovem foi aliciada pela avó e luta para que a irmã de criação não siga pelo mesmo caminho.

Para o autor Silvio de Abreu, a afeição que o telespectador alimenta pela vilã não é nenhuma surpresa. "A ideia ao criar a Clara, com justificativas para errar, foi a de fazer o público viver um dilema. Em um momento a odeiam, em outro a amam. A pergunta que quero que o público se faça é: o passado de Clara justifica qualquer atitude dela?", alfineta.

O pesquisador de teledramaturgia da USP, Claudino Mayer acredita que a vilã ainda pode se transformar em heroína. "A vilania de Clara ainda não está justificada. Não se sabe se ela procura vingança, ascensão ou status social."

Já a mocinha Diana, vivida por Carolina Dieckcmann, conquistou a antipatia dos telespectadores por arquitetar a separação de Gerson (Marcelo Antony) quando ele ainda se recuperava de acidente automobilístico. Tudo isso para viver um amor com Mauro (Rodrigo Lombardi), o melhor amigo do marido. O comportamento de Diana vai contra a narrativa clássica da mocinha que sofre por toda a novela e só triunfa no último capítulo. "Ela é alguém que erra e não tem medo de admitir. Quero mostrar que uma pessoa íntegra e honesta também pode um dia fazer uma escolha errada", defende Silvio de Abreu.

Para o doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana da USP, Mauro Alencar, parte do público ainda torce por uma mocinha que sofra por todo o folhetim, pois o público tende a idealizar a ficção. "Este fato ocorre desde as primeiras narrativas da Idade Média. Muito tempo foi preciso para que o público aceitasse comportamentos diferenciados, não retilíneos de um personagem", explica. Os questionamentos já surgiram, resta agora aguardar pelas cenas dos próximos capítulos.

Exemplos
- A mocinha Diana (Carolina Dieckmann) é odiada pelo público por pedir separação ao marido acidentado. A vilã Clara (Mariana Ximenes) sensibiliza pela história de abuso sexual na infância.

- Na novela Celebridade (2003) a invejosa Laura (Claudia Abreu) e Marcos (Márcio Garcia) formaram o casal queridinhos da plateia por aliarem vilania com doses de sensualidade. No papel de mocinha sofredora, a empresária Maria Clara (Malu Mader) só ganhou respeito dos telespectadores quando encheu a vilã de bofetadas em capítulo histórico.

- Em A Favorita (2008) as protagonistas Donatela (Claudia Raia) e Flora (Patrícia Pillar) carregavam mistério sobre quem seria a verdadeira assassina de Marcelo Fontini.

Num primeiro momento a culpa recaía sobre a milionária Donatela, até que a ex-presidiária Flora se revela criminosa e confunde o telespectador, que não sabia a quem amar ou odiar.

- Em Paraíso Tropical (2007), a prostituta e alpinista social Bebel (Camila Pitanga) e o executivo ambicioso Olavo (Wagner Moura) caíram nas graças do público mesmo com todos os desvios de caráter. A relação movida a humor e libido fez com que as armações e espertezas arquitetadas pela dupla fossem toleradas.