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Preconceito mantém epilépticos à sombra
Heloísa Cestari
Do Diário do Grande ABC
11/02/2008 | 07:21
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A administradora de empresas M.K.S., 27 anos, de Santo André, formou-se há quase uma década mas não consegue permanecer mais do que alguns meses no mesmo emprego. Seu desempenho sempre foi excelente, desde a época da faculdade. Entretanto, um problema de saúde dificulta a sua inserção no mercado de trabalho: a epilepsia, distúrbio que provoca alterações na atividade elétrica cerebral e que pode culminar em crises convulsivas.

“Nunca digo que sou epiléptica, mas não tenho como evitar as crises. Minha atual chefe pensa que eu passo mal por causa de um remédio para o estômago. Foi a primeira desculpa que me veio à cabeça”, confidencia.

Casos como o de M. são mais comuns do que se imagina. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, a cada 50 pessoas, uma sofre de epilepsia, número que cai para 1% em nações com melhor qualidade de vida e de renda.

As causas, no entanto, variam conforme o país. “No último congresso americano sobre o assunto, por exemplo, foram apresentados vários casos de epilepsia pós-traumática decorrente de lesões durante a guerra no Iraque. No Brasil, não há guerra, mas temos outros problemas que podem provocá-la, como doenças infecciosas, lesões cranianas na infância, má-gestação e dificuldades no parto”, explica a presidente da Associação Brasileira de Epilepsia, Laura Guilhoto.

E embora pesquisas revelem que acidentes de trabalho e faltas por doença não são mais freqüentes em pessoas com epilepsia, mais da metade dos pacientes (cerca de 50% a 60%) escondem a sua condição na hora de procurar um emprego.

“Ainda hoje se vê pacientes com idade avançada que não fazem o tratamento por preconceito. As pessoas com epilepsia são realmente muito estigmatizadas. A maioria tem medo de ser despedida ou de perder amigos se revelar que tem a doença”, afirma o psiquiatra Renato Luiz Marchetti, coordenador do Projepsi (Projeto de Epilepsia e Psiquiatria) do Hospital das Clínicas.

E o preconceito não vem de hoje. “Até pouco tempo, na China, uma pessoa poderia anular o casamento se descobrisse que o cônjuge sofria de epilepsia. E até os anos 1950, vários Estados norte-americanos proibiam que cidadãos com epilepsia casassem ou tivessem filhos”, exemplifica Marchetti.

Para o especialista, o importante é que o paciente tente levar uma vida normal. “Ou porque a sociedade a estigmatiza ou porque a família a superprotege, a pessoa acaba se privando de muitas coisas que poderia fazer normalmente.”

História - As primeiras referências sobre a epilepsia datam de 2.000 a.C., na antiga Babilônia, e eram relacionadas a possessões demoníacas. Em 400 a.C., Hipócrates, considerado o pai da Medicina, levantou a hipótese de as crises convulsivas terem sua origem no cérebro, e não em espíritos malignos. Mas foi somente no século 18 que o neurologista Jackson descobriu que o problema residia em uma descarga anormal das células nervosas.

Alguns mitos, no entanto, persistem até hoje. “Para começar, a epilepsia não é contagiosa. E também não se deve puxar a língua, pois isso machucaria ainda mais o paciente e quem presta socorro. O ideal é deixar a cabeça mais alta e virá-la de lado para que ele não se afogue com a saliva ou aspire o que estiver no estômago”, esclarece Laura, lembrando que a ABE promove palestras mensais, gratuitas e abertas ao público, na Capital (Rua Botucatu, 762, Vila Clementina). A próxima está agendada para o dia 25, às 19h. Informações: 5549-3819.

Você sabia...

- Para que possa dirigir, o epiléptico precisa estar livre de convulsões há pelo menos um ano e ter acompanhamento médico. Mesmo assim, ele só poderá guiar veículos de categoria B, ou seja, carros de passeio.

- A morte em virtude de um ataque epiléptico é difícil de ocorrer. O risco é maior quando a crise se prolonga por 30 minutos ou mais, sem recuperação da consciência.

- Uma em cada 20 pessoas tem uma única crise convulsiva isolada durante a vida.

- A epilepsia pode iniciar-se em qualquer idade, mas é mais comum até os 25 ou depois dos 65 anos. Também se observa uma leve diferença entre os sexos: há mais homens do que mulheres com epilepsia.

- Cerca de 70% dos pacientes levam uma vida normal. Os demais têm limitações por não reagirem bem à medicação. Destes, um terço pode ser beneficiado por meios cirúrgicos.

- Dados históricos indicam que algumas personalidades sofriam de epilepsia. A lista conta com nomes como Molière, Flaubert, Alfred Nobel, Pitágoras, Sócrates, Newton, Tchaikovsky, Beethoven, Napoleão, Lenin, Van Gogh, Machado de Assis e Dom Pedro 1º.



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