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Chega o 'Dicionário de Usos do Português do Brasil'
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
18/08/2002 | 18:00
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Não se faz crítica ou resenha de dicionário, ensinam os mais experientes. Porque, mais do que qualquer outro tipo de livro, os dicionários só se consolidam – para o bem ou para o mal – na consulta diária, esclarecendo dúvidas, clareando significados. É ali, no dia-a-dia, que a gente fica sabendo de verdade se o dicionário é bom mesmo. Por isso é difícil avaliar com precisão o mais novo produto que está chegando às livrarias, o Dicionário de Usos do Português do Brasil ou DUP (Editora Ática, 1.688 páginas, R$ 119), de Francisco S. Borba.

Mas, em todo caso, é possível prever que ele preenche uma necessidade básica de quem precisa escrever com freqüência. E isso vale para as secretárias, para os engenheiros e também para os profissionais da escrita – como os jornalistas e escritores. O motivo é a simplicidade do DUP. Borba, lingüista com boa circulação internacional e atualmente professor do Instituto de Lingüística e Língua Portuguesa da Unesp de Araraquara, mantém um dos mais importantes bancos de dados da língua escrita no brasil, o chamado Corpus de Araraquara, que, segundo o professor, “está chegando aos 200 milhões de ocorrências de palavras em textos de literatura romanesca, dramática, técnica, oratória e, predominantemente, jornalística”.

Esse é o detalhe mais importante da fabulosa empreitada da equipe de Borba: para montar o dicionário da língua escrita no país na segunda metade do século XX, ele usou mais de 70 milhões de ocorrências de palavras em textos escritos do Brasil, com absoluta predominância dos textos de jornais. A colheita no texto jornalístico diário traz o dicionário para muito perto do universo da língua que se fala e se escreve no dia-a-dia brasileiro. Mas, por outro lado – e este é o lado perverso da utilização de textos jornalísticos –, a eliminação da figura do revisor de texto depois do advento da informatização das redações colocou cada repórter/jornalista absolutamente nu diante do leitor. Ou seja, o que ele digita em seu terminal de computador vai para a tela impressa, por maior que seja a barbaridade de concordância, erro de grafia ou mesmo palavra usada de modo errado.

Claro, Borba e sua equipe eliminaram os erros dos textos jornalísticos quando os usam na condição de exemplos para ilustrar significados. O DUP é bom porque não se aventura além do que se propõe: ele é de fato um inventário dos usos do português do Brasil na segunda metade do século XX. Mais detalhes, só mesmo depois de alguns meses de uso.

Tenho usado o Dicionário Houaiss há alguns meses. É evidente que se trata de uma proposta muito diferente da de Borba. Mas olhem que o Houaiss só tem me dado alegrias. Além de matar a natural curiosidade de saber quando uma determinada palavra foi usada pela primeira vez em português, fico perplexo com a minha ignorância. As citações do Houaiss são bastante eruditas, mas é bom, de vez em quando, comer biscoitos finos. Já a polenta ou feijão-com-arroz diário fica por conta deste DUP (quem sai perdendo, creio, é o Aurélio, que nem tem a sofisticação filológica do Houaiss nem a praticidade do DUP).

Compare o início dos verbetes “dicionário”. Primeiro no Houaiss: “Dicionário: s.m. – compilação completa ou parcial das unidades léxicas de uma língua” (pág. 1.034). Agora no DUP: “Dicionário: Nm (concreto) – obra que contém, parcial ou totalmente, os vocábulos de uma língua” (pág. 507). As “unidades léxicas” do Houaiss são naturalmente os “vocábulos” do Borba, que, entre nós, poderia bem ter usado a banal e reles expressão “palavras”, que todos entenderiam do mesmo jeito.




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