Setecidades Titulo Efeito coronavírus
A vila fantasma de Paranapiacaba

Quarentena em razão da Covid-19 isola o distrito, que sofre sem turistas e com falta de itens básicos

Dérek Bittencourt
Do Diário do Grande ABC
29/03/2020 | 23:30
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Nario Barbosa/DGABC


Durante a semana, as vozes das crianças e jovens de grupos escolares tomam conta. Aos sábados e domingos, são os turistas que invadem o destino em busca de história, tranquilidade, natureza e belas fotos. Há 15 dias, entretanto, nada disso faz parte da rotina da vila inglesa de Paranapiacaba, que está praticamente isolada em razão da pandemia do novo coronavírus. Ruas vazias, comércios fechados ou funcionando parcialmente apenas com delivery, mercadinho desabastecido e um cenário de filme de cidade fantasma.

No caminho até a vila, ainda na rodovia, a partir de Rio Grande da Serra quase nenhum veículo em ambos os sentidos. Mais precisamente quatro carros, dois caminhões, uma van e três motocicletas indo ou vindo. E ao chegar à parte alta, ninguém nas ruas. O movimento era de cães que transitavam em busca de comida. Já o som ambiente vinha da música sertaneja sofrida que ecoava de uma casa. Igreja fechada, comércios idem.

Em direção à passarela que passa por sobre a linha férrea e leva para a parte baixa, um mercadinho funcionando, mas sem máscaras ou álcool gel, fato que se estende há dias. “Acabou tudo”, confirmou o morador Cristiano Costa, 29, que, junto de outros vizinhos, vem se organizando para fazer compras para os mais idosos – 5,2% dos moradores da parte baixa têm 64 anos ou mais, segundo levantamento, enquanto 69,8% possui entre 15 e 64.

Da passarela, enfim, pessoas surgiram. Funcionários que trabalhavam na manutenção dos trilhos dos trens. E até posaram às lentes do repórter fotográfico Nario Barbosa.

Depois da ponte de acesso à vila inferior, à beira da sacada da casa de madeira de número 393, na Rua da Estação, Francisca Cavalcante, 85 anos. Dona de um ateliê de arte e artesanato, vende bonecos de antigos personagens locais. Ou vendia, porque teve de fechar seu comércio. “Não adianta abrir, porque não tem para quem vender. De dia de semana vinham as escolas e as crianças compravam. No fim de semana tinham os turistas. Mas agora está tudo completamente parado”, disse ela, filha de ferroviário e nascida na vila, olhando em direção ao pontilhão deserto, como se estivesse recordando os tempos de grande movimento no local.

Dentro do grupo de risco para a Covid-19, a artesã disse que não tinha máscara para se proteger. Aliás, até brincou com o vírus. “Se me pegar, vou morrer. Mas ele vai junto”, sorriu ela, que para comprar mistura para as refeições tem de ir até Rio Grande da Serra. “No (mercado) daqui não tem carne”, explicou, antes de se despedir.

Apesar das orientações para ficar em casa para evitar a transmissão e a proliferação da Covid-19, tem quem se aventure a ir até Paranapiacaba. A estudante Talita Jeniffer, de Mauá, estava com familiares e aproveitou a falta de movimento para ir até a vila. Mas, como proteção, estava utilizando máscara. “Tenho medo de pegar”, admitiu. “Não estou (com o vírus), mas temos mania de levar mão à boca e a máscara protege”, justificou.

Já o químico João Carlos Batista Ramalho, 69, morador da Vila Assunção, aproveitou a falta de movimento em Paranapiacaba para tomar a vacina contra a gripe no posto de saúde da vila. “Vim passear a aproveitei para tomar a vacina. Não tem ninguém”, afirmou, logo após dar um gole de água na bica d’água no pé da parte baixa, E ainda disse não temer o vírus. “Se tivesse (medo) estaria em casa. Mas não aguento mais ficar lá”, completou, tirando do bolso um borrifador com um líquido de odor agradável. “Pode esfregar nas mãos. Vai te proteger o dia todo”, garantiu.

Comerciante diz que deixa de faturar R$ 6.000 com restaurante fechado

Censo realizado em 2010 aponta que a Vila de Paranapiacaba tem 921 moradores, sendo 616 na parte baixa – que é municipal – e 305 na alta. Segundo informações da secretaria do Meio Ambiente, responsável pela gestão do local, aproximadamente 15% dessas pessoas vivem exclusivamente do turismo e acabaram tendo seus ganhos afetados pela quarentena da Covid-19.

Donos de um restaurante na parte baixa, Gilson Marinho de Souza, 59, e Clarice da Silva de Souza, 57, viram o movimento cair a quase zero no local e estão sobrevivendo com os pedidos delivery de moradores e empresas próximas à vila. “É ruim, pesa no orçamento, mas as pessoas estão respeitando as ordens. Não adianta ganhar dinheiro e perder companheiro”, disse ela.

Durante a semana, o restaurante está acostumado a receber grupos escolares. “No dia anterior ao fechamento de tudo, a gente ia receber um grupo de 120 pessoas, que desmarcou”, recordou o proprietário. Um fim de semana fechado representa ao casal deixar de faturar R$ 6.000. “Mas é melhor prevenir e perder um pouco de dinheiro do que perder a vida. Sem a vida a gente não ganha nada”, disse Gilson, que faz as entregas usando máscara.

Para tentar amenizar os prejuízos, o prefeito Paulo Serra (PSDB) anunciou medidas para a população de Paranapiacaba. “Pensando em minimizar o impacto financeiro que a quarentena vai trazer na vida das famílias da vila, que grande parte depende do fluxo de pessoas e das visitas por ser local turístico, a gente está isentando de aluguel, por prazo determinado, aquelas que moram na parte baixa . No pagamento da locação estão também inclusos água e energia elétrica. Sem dúvida vai aliviar bastante à população local”, disse o chefe do Paço andreense. 




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