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TV paga exibe clássicos de Godard e 'Passion'
Do Diário do Grande ABC
20/06/2000 | 15:52
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Revolucionário, o francês Jean-Luc Godard realizou grandes filmes que mudaram o cinema. Estética, política, narraçao, tudo mudou depois dele. Alguns desses filmes - faróis de Godard estao entre as maiores e mais influentes realizaçoes artísticas do século - "Acossado", "Viver a Vida", "Pierrot le Fou" (que no Brasil se chamou O Demônio das Onze Horas), "Week-End à Francesa". Reconheça-se a importância de cada um e a de todos esses filmes, mas Godard nao fez nada que seja visualmente mais bonito do que "Passion".

O filme de 1981 é inédito no país. O ineditismo está para acabar-se. Se você é cinéfilo de carteirinha e assina a TV paga, tem nesta quarta-feira um compromisso inadiável com o Eurochannel. Como vem fazendo nas quartas-feiras de junho, o canal europeu da TVA anuncia mais um programa triplo dedicado a Godard. "Passion" é a cereja desse bolo raro. Passa às 22 horas. Mas nao sao menos atraentes os outros dois filmes que completam o madrugadao Godard - "Tempo de Guerra", às 23h30, e "Histoire(s) du Cinéma", à 1h.

"Tempo de Guerra", "Les Carabiniers" no original, é quase sempre definido como o mais rosselliniano dos filmes de Godard. É sabida a influência do mestre do neo-realismo sobre o diretor francês. O próprio Godard sempre assumiu a filiaçao, que vem pela via da desdramatizaçao do roteiro de "Romance na Itália" (Viaggio in Italia). A influência de Rossellini manifesta-se no baixo custo da produçao, na ausência de astros e até mesmo na textura da fotografia em preto e branco.

Nesse sentido, "Tempo de Guerra" é assumidamente pobre. Mas se há um filme pobre que também é ambicioso é esse. Os carabineiros do título original sao quatro - chamam-se Ulisses, Miguel Angelo, Vênus e Afrodite. Godard vai às fontes da mitologia para atacar a guerra - o tema desse filme rodado em terrenos vagos do subúrbio parisiense. Mais do que a Rossellini, é a Brecht que Godard presta tributo - é seu filme mais brechtiano, no sentido de que assume, tanto quanto é possível fazê-lo no cinema, o distanciamento crítico.

"Histoire(s) du Cinéma" nao revela, como o título pode sugerir, um Godard enciclopedista. Ele nao conta uma história linear do cinema. Inventa histórias, usa fragmentos de filmes que coloca em cena por meio de uma montagem sonora e visual tao elaborada quanto complexa e eficiente. E "Passion" é, ao mesmo tempo, um filme de amor à pintura e à música. O começo mostra uma sucessao de planos aparentemente desconexos - uma linha branca que divide o céu, um concerto para a mao esquerda, um título - "Passion" -, uma mulher que puxa uma carruagem, gritos, carros, um piano, o ruído de uma máquina. "O que significa essa história?", é a voz do produtor (Laszlo Szabo). É um leitmotiv ou um lamento. Volta outras vezes no filme.

Godard recorre à metalinguagem - a fórmula do filme dentro do filme. Contrapoe o set à fábrica, o diretor ao dono da fábrica, a atriz à operária. Os operários sao tiranizados pelo patrao, os atores pelo diretor. Como motivo recorrente, entra a pintura. Os quadros viram cinema, reconstituídos por meio de tableaux-vivantes. Um crítico já escreveu que Godard, nesse filme, trabalha simultaneamente a analogia e a literalidade. Esse mesmo crítico achou sua definiçao para o cinema assistindo a "Passion". É o combate de Prometeu contra a matéria.




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