O ex-presidente da Fifa Joao Havelange, 84 anos, depôs à CPI da CBF (Confederaçao Brasileira de Futebol) na manha desta quinta-feira. Logo no início do depoimento, o ex-presidente, que deixou o cargo no dia 8 de junho de 1998, citou a responsabilidade e a dedicaçao que dispensou à Fifa durante sua administraçao. "De repente, uma pessoa mal dormida coloca uma nota atacando aquele que fez uma boa administraçao", disse.

O primeiro a fazer perguntas foi o relator da CPI, Silvio Torres. Ele questionou se JH foi procurado por seu ex-genro, o atual presidente da CBF, Ricardo Teixeira, para opinar sobre o contrato entre a Nike e a CBF, muito criticado devido ao valor exorbitante de US$ 400 milhoes. "Nunca o vi (o contrato). Nunca o li e nao havia razao para que isto acontecesse. É um problema interno, nao tenho que opinar. Outras associaçoes têm contratos com a Nike e nenhuma outra conseguiu o valor que a CBF conseguiu. Devíamos aplaudir e por isso me sinto orgulhoso pela valorizaçao que o futebol brasileiro tem", disse.

Depois, o deputado comentou a situaçao atual do futebol brasileiro. "Durante sua gestao, o futebol teve muito sucesso, mas neste mesmo período, o Brasil teve o maior retrocesso técnico e administrativo, com exceçao da Copa de 94. Hoje, o futebol está passando por sua maior crise. Os estádios estao vazios, a audiência das emissoras está caindo na exibiçao dos jogos. Diante desta situaçao, é certo Ricardo Teixeira estar à frente da CBF há mais de 10 anos e lutar por mais uma administraçao?", perguntou Torres.

"Só vou me ater a estes documentos", disse JH lendo alguns papéis. "O Brasil foi primeiro colocado no ranking da Fifa em 94, 95, 96, 97, 98, 99 e 2000. O Brasil, em todas as competiçoes do mundo, é o 1º colocado há seis anos. Em 58, 62, 70 e 94, fomos campeoes do mundo. Em 50 e 58, fomos vice. Nos campeonatos sub-17, conquistamos o título em 97 e 99. Em 95 fomos vice. No sub-20 fomos campeoes em 83, 85 e 93 e vices em 91 e 95. No campeonato de Confederaçoes da Fifa, ficamos com o título em 97 e com o vice-campeonato em 99. Já no futsal, fomos campeoes três vezes. Em 89, na Holanda, em 92 em Hong Kong e em 96 na Espanha. O Corinthians levou o Mundial Interclubes e o Vasco conquistou o vice-campeonato. O futebol feminino conseguiu a 9ª colocaçao em 91 e 95, na China e em Estocolmo. Fomos terceiros colocados em 99, nos Estados Unidos. Se o Brasil nao conquistou medalha nos Jogos Olímpicos de Sydney, nem em 96, em Atlanta, me senti orgulhosos como presidente da Fifa da mesma forma. Se perdi de um lado, me sinto recompensado por outro", explicou.

O deputado Silvio Torres ainda insistiu em dois pontos. "Diante destes números colocados por Vossa Excelência, digo que o Brasil é o país com a 9ª melhor economia do mundo e mesmo assim temos quadros trágicos de miséria e analfabetismo. O futebol, ao mesmo tempo que exibe números exorbitantes, também apresenta uma série de escândalos. Cerca de 98% dos jogadores profissionais, nao ganha mais do que um salário mínimo. A maioria dos grandes clubes tem dívidas na marca de R$ 200 milhoes com o INSS. Apesar do orgulho que sentimos de nosso futebol, nao temos nada a comemorar quanto à estrutura. Podemos elogiar o presidente da Fifa pelos seus feitos, mas temos a debitar graves problemas. Vossa Excelência nao respondeu a minha pergunta anterior. O senhor acha que Ricardo Teixeira deve continuar à frente da CBF?", indagou.

"Se o presidente da CBF quer se reeleger ou nao, quem tem que decidir é a assembléia responsável da Fifa. Nada posso fazer. Se eles desejam a administraçao de Ricardo Teixeira é porque deve ser uma boa administraçao", respondeu Joao Havelange.

O deputado Eurico Miranda falou em seguida e em princípio pediu desculpas ao ex-presidente da Fifa. Exaltado, Miranda disse que Joao Havelange "deveria ser homenageado todos os dias e nunca deveria ter que se submeter a uma situaçao como esta". Remetendo aos comentários de Silvio Torres, Miranda disse: "Quem diz que o futebol está em retrocesso nao entende nada do assunto. Estamos em uma fase ruim, mas nao da forma que é colocado. Alguns clubes dao escola aos jogadores, o que seria dever do Estado. O conheço desde menino e tenho orgulho de dizer que um brasileiro é reconhecido mundialmente. Quem decide se alguém deve permanecer no cargo é quem o elege. Vossa Excelência nao é eleitor. Esta pergunta foi um absurdo".

Em seguida, Joao Havelange comentou os trabalhos sociais feitos pelos clubes, citado pelo deputado. "O trabalho feito pela Fifa com o SOS Crianças do Mundo deve ser registrado como algo muito importante. A CBF faz a mesma coisa com cerca de dois mil jovens que saíram da favela e do caminho das drogas. Hoje, meninos e meninas jogam futebol. Gostaria de fazer um campeonato entre as crianças do país, entre outros continentes e entao chegar no Mundial. Imagine o que seria para uma criança que nunca saiu de seu bairro, disputar um campeonato mundial. Nao devemos fazer críticas e sim trabalhar."

Na réplica, Eurico Miranda dispensou novamente a oportunidade de fazer uma pergunta e lançou mais um comentário. "O público está fugindo dos estádios, estamos na miséria. O que ninguém leva em consideraçao é que quando começamos um campeonato, nao há atrativo. Mas quando chega na reta final, conseguimos cerca de 80 mil pessoas em um estádio. O torcedor também nao pode pagar R$5, R$ 10 por um ingresso.

Outros deputados continuaram questionando sobre o contrato CBF/Nike e Joao Havelange repetiu que desconhecia o documento. Entao, um dos deles perguntou se ele se sentiria constrangido de receber uma cópia do contrato para fazer um comentário posterior. O ex-presidente da Fifa disse que nao e recebeu o documento.

Joao Havelange ainda foi perguntado sobre a origem da verba da Fifa. Ele explicou que vem das Copas do Mundo. Como exemplos, ele citou o valor arrecadado de US$ 78 milhoes na Copa da Argentina, além dos US$ 82 milhoes arrecadados na Copa da Espanha. Para 2002, JH disse que assinou um contrato de 1 bilhao de francos suíços e em 2006, um valor equivalente a US$ 3 milhoes. "Deixei uma receita de US$ 4 bilhoes para a Fifa", garantiu.

Sobre suas supostas desavenças com o Rei Pelé, o deputado Arlindo Chinaglia irritou Joao Havelange com algumas perguntas. "Nao tenho nada contra Pelé nem a favor. Ele é um ótimo jogador, o mundo terá que reverenciá-lo nao só neste século, mas também no outro", disse JH.

O deputado ainda citou o escritor espanhol Juan Sabrelli, que acusou o ex-presidente da Fifa de corrupto em um de seus livros. "Este homem é um crápula. Queria que ele fosse colocado na minha frente para dizer isto para ele. Tudo o que consegui está no meu imposto de renda", respondeu nervoso.

Ainda irritado com perguntas sobre seus rendimentos, o ex-dirigente perguntou a um dos deputados: "O senhor sabe como moro? Moro em um hotel. Nao tenho nada e o senhor vem dizer que tenho uma fazenda? O que tenho nao é meu. Nao quero mais nada".

Sobre a ameaça de que iria tirar o Brasil do Mundial de 98 caso a Lei Pelé fosse aprovada na época, ele disse que quando "a lei nao está de acordo com o estatuto da Fifa, a federaçao poderia ser eliminada de uma Copa".