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Levando a vida numa boa
Juliana Ravelli
Do Diário do Grande ABC
18/04/2010 | 07:38
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Os pais de Matheus Braz da Silva dos Santos, 10 anos, de Santo André, não são loiros, mas ele nasceu bem branquinho, com cabelos dourados como ouro e olhos da cor do céu em dia ensolarado. Como é possível? Ele tem albinismo.

Essa é uma doença genética (já nasce com ela e não é contagiosa) que causa falha na fabricação da melanina, substância natural que dá cor à pele, aos olhos, cabelo e pelos. "Tenho de passar protetor solar sempre porque, senão fico com a pele muito vermelha", diz Matheus, que passa a maior parte do tempo brincando com videogame dentro de casa.

Quando o menino nasceu, a mãe ficou surpresa. Nunca tinha visto ninguém com aquelas características. Mas isso não fez com que ela e o marido amassem menos Matheus, que há um ano e meio ganhou a irmãzinha Rebeca, morena clara como os pais.

Calcula-se que uma a cada grupo de 20 mil pessoas nasce com albinismo. A doença atinge tanto meninos quanto meninas de todos os cantos do mundo. Além da falta de pigmento na pele, albinos têm muitos problemas de visão.

Na Emeief Estevão de Faria Ribeiro, em Santo André, Vinícius Barros Santo Silva, 8, tem de sentar sempre próximo à lousa para enxergar a lição. Se mesmo assim não consegue ver alguma palavra, recebe ajuda dos amigos. Breno Acenço, Julia de Paula, Crystoffer Zeferino e Henrique da Silva se revezam na tarefa de ditar para ele.

Na aula de leitura, o apoio da turma continua. "Quando a gente pega um livro com letras maiores, troca com ele", explica Breno. Vinícius, que é bom aluno e gosta de ler, tem um desejo: "Queria que todos os livros tivessem letras grandes para eu enxergar melhor". Ele tem dois irmãos, que não são albinos.

TIRAM DE LETRA
Assim como Matheus e Vinícius, o professor de Literatura Inglesa Roberto Bíscaro, 43, é o único albino na família. Ele explica que um dos segredos para superar as dificuldades impostas pelo problema (como não se expor ao sol sem bloqueador e óculos) é o apoio dos pais e familiares. "Quando as pessoas nos conhecem direito esquecem que somos albinos", afirma. No ano passado, Roberto criou um blog (www.albinoincoerente.com) no qual divulga informações sobre albinismo e histórias de quem o tem.

O músico Hermeto Pascoal, 73, também vive com albinismo numa boa. "Quem nasce com isso se acostuma." Ele conta que sempre conquistou as namoradas mais bonitas da escola. "Os garotos diziam coisas para elas terem vergonha de mim, mas todas sempre me defendiam", lembra.


Tem de proteger pele e olhos
A melanina, além de dar cor à pele, aos olhos e ao cabelo e pelo, é a substância responsável por nos proteger dos raios solares. Quanto mais sol se toma, mais o organismo produz essa substância. É assim que se fica bronzeado.

No albino isso não ocorre. Produz quantidade insuficiente, o que afeta sua aparência, deixando a pele e os cebelos bem clarinhos. Por isso, precisa usar bloqueador solar todos os dias. Quem não tem albinismo pode usar protetor, que é mais leve.

Mesmo quando o céu está coberto por nuvens, tem de usá-lo, pois é perigoso queimar. Às vezes, Vinícius esquece, mas a mãe sempre lembra. Matheus não gosta do cheiro do produto, mas sabe que não pode ficar sem. Os médicos ainda aconselham a usar boné, calça e camiseta de manga longa fora de casa.

Como a melanina também tem papel importante no desenvolvimento dos olhos, o albino tem visão abaixo do normal. É por esse motivo que precisa de óculos com lentes especiais, que ficam mais escuras em ambientes com muita luz.

ESPANTE O PRECONCEITO E A DESINFORMAÇÃO
Ainda hoje os albinos sofrem com o preconceito e a falta de informação das pessoas; algumas acham que é doença contagiosa. A família de Matheus, por exemplo, teve de aguentar gente dizendo que ele não era filho dos pais por ser muito branquinho.

Matheus e Vinícius também já sentiram vontade de não ir mais à escola. O motivo? A zoeira dos colegas que, às vezes, colocam apelidos, como branquelo, fantasminha, Leite Moça. "Fico chateado. Não gosto quando fazem isso", diz Matheus. O primo dele, Lucas Fernandes, 9, fica de prontidão para defendê-lo. "Quando ouço, peço para pararem com isso."

O professor Roberto Bíscaro também enfrentou preconceito na infância e adolescência. Chegou a brigar fisicamente com quem o ofendia. "Quando se é criança, a tendência é acreditar em tudo o que dizem." Mas ele encarou as dificuldades e as superou. "Os albinos não podem pensar que são coitadinhos", diz Roberto.


Conquista para viver melhor
Outra luta importante dos albinos é para que o governo forneça óculos e bloqueador solar de graça. Os dois são muito caros; nem todas as famílias têm condições financeiras para com- prá-los. Em São Paulo já há um projeto de lei sendo discutido na Assembleia Legislativa (onde os deputados estaduais trabalham) para que isso ocorra.

Como não conseguem enxergar direito, os albinos também enfrentam problemas ao andar diariamente pelas cidades, que não são corretamente adaptadas para quem tem qualquer tipo de deficiência. Nem sempre conseguem ver uma calçada esburacada, por exemplo, e acabam se machucando.

Também é complicado conseguir enxergar palavras pequenas em placas. Fica mais difícil ainda ler letreiros de ônibus e placas iluminadas que não param de piscar, pois albinos, em geral, têm fotofobia (não conseguem olhar diretamente para a luz).


Andando sempre na sombra
Hermeto Pascoal, 73 anos, é compositor, toca muitos instrumentos e até inventa alguns, é albino. Nasceu em Lagoa da Canoa, interior do Alagoas, onde o sol e o calor não dão descanso. Por isso, desde muito menino escutava os pais dizendo para brincar na sombra. Para fazer as lições, recebia ajuda da mãe que copiava tudo em letras maiores para ele enxergar. "Meus pais tinham o cuidado de não colocar na minha cabeça que eu tinha problema", diz.

O albinismo nunca o impediu de desenvolver seu talento musical. Conquistou respeito e admiração internacional, apresentando-se em diversos países, como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Japão.

BICHO TAMBÉM TEM
Bichos também podem nascer albinos pelo mesmo motivo que os humanos. Só que na natureza, enfrentam mais dificuldades. Os répteis, por exemplo, têm de ficar sob o sol para se esquentar (são diferentes dos mamíferos, que já têm sangue quente). O problema dos albinos é que se ficarem muito tempo expostos podem queimar a pele gravemente. Além disso, o albinismo prejudica a camuflagem dos que dependem dela para caçar alimento ou fugir do predador.

No Zoo de Barcelona, na Espanha, viveu o único gorila albino que se conheceu. Floco de Neve tinha 40 anos quando morreu em 2003. Foi capturado por caçadores que mataram sua família em 1966, na Guiné. Durante seu tempo de cativeiro, teve muitos filhotes; nenhum com albinismo.




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