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Johnson Macaba, ex-jogador: ‘É preciso ser mais do que só atleta de futebol’
Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
08/07/2019 | 09:18
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Denis Maciel/DGABC

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 Johnson Macaba saiu aos 8 anos de Luanda, capital da Angola, junto de sua família para fugir da guerra civil no país africano. Desembarcou no Brasil, se instalou no Grande ABC e decidiu testar a sorte no futebol justamente no país onde o esporte é paixão nacional. Começou no EC São Bernardo em uma fase terrível. Terminou atuando pela seleção angolana, ajudando em classificação da equipe para a Copa do Mundo de 2006. A trajetória de superação o motivou a palestrar para jovens que só enxergam o futebol como porta de saída para situações difíceis. “Ser jogador é só um meio para você conquistar seus sonhos. É preciso preparo para outras coisas.”

Como você chegou ao Brasil?
Nasci em Angola, na capital, Luanda, e vim para o Brasil exatamente com 8 anos de idade. Angola estava com problemas de guerra civil. Somos quatro filhos, todos homens, e meu pai ficou hiper preocupado com essa situação porque só homem vai para guerra. Ele era pastor missionário em país de língua portuguesa. Tinha opção de vir para o Brasil ou ir para Portugal. Como Portugal tinha inverno rigoroso, ele escolheu o Brasil. A guerra e o fato de ele ser missionário trouxeram a gente para cá. Vim para são Paulo. Primeiro ano fiquei na Capital. Depois fui para o Rio Grande do Norte, fiquei quatro anos lá. Era legal, interessante, mas não estava muito a fim do Brasil. Quando se muda de lugar, há questão de adaptação. Criança só quer saber de brincar, se divertir, na escola, com amigos. Não estava muito a fim do Brasil. Minha vontade, grande, era voltar para Angola, para minha casa, minha escola, meus brinquedos, primos, amigos. Eu não entendia a questão da guerra. Era novo, não tinha a noção do motivo pelo qual estava no Brasil.

Qual sua lembrança da guerra civil?
Zero. Eu nunca vi. Até o ano que vivi lá, em janeiro de 1987, não tinha nada. Minha vida era boa. Não passava dificuldade, morava na capital, tinha casa boa, meu pai tinha trabalho bom, minha mãe trabalhava para o governo. Tinha vida cheia de irmãos, amigos. A gente se divertia horrores. Não entendi porque tive que vir ao Brasil. Comecei a entender quanto tinha de 10 para 11 anos. Meu pai falou que a guerra em Angola estava forte e que uma de nossas babás tinha morrido por causa da guerra. Ela estava em um local onde estourou uma mina ou caiu uma bomba e ela foi atingida. Comecei a entender aí. Não poderia nem voltar para lá. Éramos jovens. Meu pai voltou, minha mãe também. Só que, com 12 anos, menino já ia para o Exército. Meu pai não queria que ninguém passasse por esse processo. Comecei a pensar por que tem guerra em Angola. Por que angolano estava matando angolano? Ficava chateado, mas entendi o real motivo por eu estar no Brasil.

Como o Grande ABC apareceu na sua vida?
Tinha uns 15, 16 anos. A igreja do meu pai o transferiu para São Paulo. Depois meu pai trocou de igreja, iria para uma que montaria filial no Grande ABC. Em São Bernardo, na Pauliceia e Jordanópolis. Depois fomos para Vila Euclides, para o Planalto. Foi então que comecei a jogar futebol. Fiz teste em todos os times de São Paulo, não passei em nenhum. Descobri que em São Bernardo havia dois times: o Palestra e o EC São Bernardo, o Cachorrão. Havia feito teste no São Paulo, Palmeiras, Corinthians, Portuguesa, Santos. Nada. Então surgiu um teste no São Bernardo. Passei lá. Depois de um mês vi que as coisas não andavam, não iam bem. O Diário foi fazer reportagem lá com o EC São Bernardo e o título foi ‘Bem-Vindo ao Pior Futebol do Mundo, o São Bernardo, último colocado nos últimos quatro anos dos torneios que disputou, ameaça roubar o título que tanta orgulha o Íbis’. Naquela época o EC São Bernardo era o segundo pior time do mundo, só ganhava do Íbis (time pernambucano, cuja fama é de ser o pior do planeta). Pensei: ‘Fui aprovado no segundo pior time do mundo porque ninguém quer jogar aqui’. Quando eu estava no Nordeste e entendi a guerra, minha vontade de voltar para a Angola aumentou muito. Depois que virei jogador, vi que só poderia voltar para Angola como jogador da seleção. O Estado iria me proteger e não iria me enviar para guerra. Mas como ir para a seleção se estava em um dos piores times do mundo? Só vai para seleção quem está nos melhores times. Eu tinha um desafio na minha vida. Comecei no segundo pior time do mundo e não iria terminar lá.

Como foi, então, a construção da carreira?
Começou uma motivação dentro de mim que era encerrar a carreira fora do EC São Bernardo. Houve esforço, briga judicial inclusive, e eu saí do São Bernardo depois de três anos, em 2000. Mas me ensinou muita coisa ficar lá (no Cachorrão). Foi lá onde tudo começou. O São Bernardo jogava a quarta divisão (do Campeonato Paulista). Depois fui para a Francana, na Série A-2, a segunda divisão paulista. Pulei de cara. O campeonato era mais forte. Enfrentava atletas mais velhos, que jogaram em times grandes. Eu me sentia nas nuvens. Depois de seis meses fui para o Londrina. Estávamos na Copa João Havelange, o módulo amarelo, aquele que o São Caetano ganhou, em 2000. O Londrina estava mal das pernas, estava há quatro meses sem vencer. Quando me contrataram, um jornal estampou: ‘Quem teve a ideia de contratar o Johnson? Um angolano que fez um gol em seis meses?’. Vi e fiquei ‘p’ da vida. Quando cheguei, não fui usado. Não viajava, nem completava o banco. Fiquei assim um mês. Mas me dediquei. Trabalhava muito. O time não ganhava e precisou trocar as peças, os jogadores. O treinador me colocou para jogar e estava superpreparado e supermotivado. Nos primeiros dois jogos, a gente não ganhou. No terceiro, era contra o Bangu, na nossa casa, e a gente ganhou com gol meu. Um diretor do time, não sei se feliz ou desesperado por eu ter feito o gol, infartou e morreu no estádio naquele dia. Fiz uns nove gols (no time). O Londrina terminou em último, mas fui o artilheiro do time. Quando você trabalha mesmo nas dificuldades você é visto de alguma maneira.

Neste meio tempo surgiu a seleção angolana, que era seu foco inicial para poder voltar ao país. Como se deu esse processo?
Joguei duas Eliminatórias, duas Copas Africanas de Nações e ajudei a classificar meu país para uma Copa do Mundo, a de 2006 (na Alemanha). Mas não fui para o Mundial. O Diário me procurou quando Angola classificou, desta vez para dizer que eu saía do pior do mundo para a Copa do Mundo. Eu nunca vi nenhum atleta na história do futebol que saiu entre os piores times do mundo e esteve em um time classificado para uma Copa. Problemas de bastidores, da diretoria da seleção, me tiraram da Copa. Fiquei chateado, claro. Mas é preciso saber levantar. Não era a ausência em uma Copa do Mundo que iria apagar a trajetória de sair do pior do mundo e chegar a um time classificado para o Mundial. Quantos conseguiram isso? Poucos ou quase ninguém.

Como surgiu a ideia de dar palestras sobre sua história de vida?
Entendi que minha história poderia motivar as pessoas, incentivar, não só no esporte, na vida como um todo. Fiz curso de coaching, para entender como funciona a mente e para entender como pensava daquele jeito no passado. Montei uma palestra e decidi tentar inspirar pessoas. Comecei a palestrar. Fiz viagens pelo mundo com grupo de atletas de cristo, o Tour of Hope (tour da esperança, na tradução livre). Fomos para Malásia, Indonésia, Vietnã e Laos (na Ásia). O ponto alto da viagem foi na Indonésia. Como éramos os atletas de cristo, visitávamos algumas igrejas. Pediram testemunho de vida e me convidaram. Contei a minha história. Vi o impacto que tinha. Acreditei na minha própria história, que ela iria motivar. Eu me preparei. Li vários livros, conversei com várias pessoas, me senti confiante. Mas muitos desconfiaram porque eu sou gago. Vi como mais um motivo para me superar.

Nas suas palestras, como trata com jovens sobre a possibilidade de se frustrar com o futebol? Porque são poucos os milionários no esporte.
Existe um grande problema, erro mesmo. A maioria da mídia só mostra o sucesso do esporte. O jogador na fama, no auge, com tudo de bom que o sucesso dá. Não mostra que os outros 99% passam por coisas que são muito complicadas. Se não estiver bem preparado, pode arruinar com sua vida. O grande erro é que as crianças têm sonho de ser jogador de futebol. Meu sonho não era ser jogador de futebol. Meu sonho era voltar para Angola. O futebol foi um meio de isso acontecer. Muitos dos jovens brasileiros recebem informação de maneira errada. O sonho de muitos que escuto é dar uma casa ou condição de vida melhor para os pais. E o meio que eles veem é sendo jogador de futebol porque o dinheiro pode vir mais fácil. Se eles pudessem dar isso de outra maneira, sendo advogado ou médico, seriam felizes do mesmo jeito. Mas como vivem em sociedade em que o charme é ser cara famoso e o esporte lhe propõe isso, muitos buscam isso. Mas vejo como algo errado. Ser jogador é só um meio. Você tem de ser algo maior do que simples jogador, porque o futebol passa muito rápido. Sei de histórias de muitos caras que só pensaram o futebol, perderam tempo de fazer outra coisa, porque o sonho deles era ser muito mais do que só jogadores de futebol. Hoje têm dificuldade de se recolocarem no mercado de trabalho.

Algum atleta lhe inspirou?
Não tem nada a ver com meu esporte. É o Rubinho Barrichello (piloto de automobilismo). Sou muito fã dele. Por um motivo. Não porque era o melhor ou segundo melhor. Quando eu estava no Londrina, o time não estava bem e eu não jogava. Eu sempre gostei de Fórmula 1. A equipe viajava para jogar e eu ficava para treinar, inclusive aos domingos. Eu fazia o treino físico bem rápido para voltar ao alojamento para ver a corrida. Eu já gostava dele. Teve uma corrida que ele iria correr e iria largar em último. Era na Alemanha, estava chovendo. Vi a corrida inteira. Foi a primeira vitória dele. Largou em último (em 18º lugar) e terminou em primeiro. Aquela corrida me motivou muito porque se assemelhou com a situação que eu vivia no Londrina. Lá também eu estava entre os últimos, não era relacionado, não jogava, era desacreditado. Queria ser que nem o Rubinho foi naquele dia. Lembro até da data. Dia 31 de julho de 2000. Depois daquele dia, eu coloquei na minha cabeça que iria ser o melhor jogador do Londrina, inspirado no Rubinho. Um dia eu espero poder encontrá-lo para contar isso para ele. Muitas vezes as pessoas motivam os outros sem saber. Ele mudou parte da minha vida de uma maneira positiva.

RAIO X
Nome: Johnson Monteiro Pinto Macaba
Estado civil: Solteiro
Idade: 40 anos
Local de nascimento: Luanda, na Angola, e mora em Santo André
Formação: Coaching
Hobby: Viajar
Local predileto: Hotel Fazenda
Livro que recomenda: Pega a Visão, de Rick Chesther
Artista que marcou sua vida: Alejandro Sanz e Rubinho Barrichello
Profissão: Ex-jogador e atualmente palestrante




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