O que leva um artista ascendente a gravar um segundo disco em que o sumo do repertório é formado por canções do elogiado álbum de estreia? Falta de inspiração? Oportunismo descarado? O mais recente lançamento dos cuiabanos do Vanguart, uma das gratas surpresas do cenário alternativo nos últimos anos, não se enquadrada em nenhuma das alternativas.

Capitaneada pelo cantor e compositor Helio Flanders, a trupe lança Multishow Registro: Vanguart (Universal, R$ 25), com músicas do primeiro disco, homônimo ao grupo, que chegou às bancas em 2007 encartado na revista OutraCoisa, do veterano roqueiro Lobão.

Lançada por uma multinacional, a bolachinha atinge dois objetivos de uma só vez: além de oferecer aos fãs a oportunidade de conferir a performance vigorosa do quinteto no palco, representa uma vitrine para o grande público. Gravada no Avenida Club, em São Paulo, a apresentação também ganhou registro em DVD (Universal, R$ 35) e revela uma banda entrosada, daquelas que carregaram muitos amplificadores nas costas antes de conquistarem espaço no cenário musical. Baseadas na sonoridade folk, as composições revelam traços de psicodelia e esbanjam personalidade.

Exigem que o ouvinte habitue-se ao universo em que foram criadas, onde não faltam referências a Bob Dylan, Leonard Cohen e Belle & Sebastian. Essas qualidades ficam evidentes logo na primeira faixa, Semáforo, grudenta e saborosamente retrô.

Flanders, que há cerca de dez anos começou a história do Vanguart, tocando e compondo sozinho, é um dos autores mais expressivos de sua geração. Abusa das figuras de linguagem e sabe expressar-se em um nível acima da média de seus contemporâneos. Em Hemisfério, ele transborda melancolia nos versos "esquenta o coração refeito, espero poder retocar. O que havia entre nós dois foi tiroteio e espinho-canção". Já em Los Chicos de Ayer, retrata "as veias abertas da América Latina" com lirismo. O interesse pelo tema não é casual

Antes de iniciar a trajetória profissional, o rapaz passou uma temporada na Bolívia, que classificou posteriormente como "retiro espiritual". O currículo do promissor intérprete inclui os discos Ready to Go (2002) e The Noon Moon (2003). Outros bons momentos do disco ficam por conta de Cachaça, Enquanto Isso na Lanchonete e Hey Yo Silver. Esta última foi cantada em uníssono pela fiel plateia que acompanhou o show.

O Vanguart, que conta ainda com o baixista Reginaldo Lincoln, o guitarrista David Dafré, o tecladista Luiz Lazzaroto e o baterista Douglas Godoy, não olha apenas no retrovisor em seu mais recente trabalho.

Há uma bela amostra da intensidade criativa do grupo na inédita You Know Me So Well, com a participação do virtuoso guitarrista do Tutti Frutti, Luiz Carlini. Reconhecido pela execução precisa e a inventividade nos improvisos, o instrumentista dedilha acordes em um lap steel (guitarra que se toca deitada no colo com uma barra de metal chamada slide).

Ao revisitar as criações de um medalhão da MPB, o grupo também não faz feio, como fica provado na releitura de O Mar, de Dorival Caymmi. Outra revelação do cenário folk, a cantora Mallu Magalhães divide o microfone com Flanders em The Last Time I Saw You, encharcada de lirismo e sinceridade, características fundamentais do folk.

A interpretação de Mallu, que assinala o Vanguart entre suas referências, tem algo de superficial, de blasé, mas não chega a comprometer o resultado final. O maestro gaúcho Arthur de Faria criou arranjos de cordas inspirados, com destaque para o de Last Days of Romance.

Multishow Registro: Vanguart é um alento em um mercado fonográfico combalido e saturado. Que venha o terceiro o disco.