Cultura & Lazer Titulo Cinema
Vera Cruz investia alto sem retorno

Estudiosos avaliam os motivos da falência

Sara Saar
Do Diário do Grande ABC
08/04/2012 | 07:00
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Primeira tentativa séria de implantar no Brasil uma indústria cinematográfica dentro dos padrões internacionais, a Vera Cruz serviu de abrigo para estrelas como Mazzaropi durante a história grandiosa e fugaz. Em cinco anos de produção, de 1949 a 1953, rodou em São Bernardo filmes que exigiam altos investimentos devido ao cuidado estético e se opunham às populares chanchadas da Atlântida, no Rio.

Os filmes serviram de modelo para o cinema brasileiro, que passou a rever a qualidade de suas produções. "Depois da Vera Cruz, consolida-se uma ideia de profissionalismo no Brasil que até então não existia", afirma o professor de Rádio e TV Antônio de Andrade, da Universidade Metodista.

Com 350 acionistas entre industriais, fazendeiros e intelectuais, os empresários Franco Zampari (incentivador do teatro) e Francisco Matarazzo Sobrinho (industrial) ergueram os estúdios da Vera Cruz em área de 30 mil m². "Zampari imaginava que cinema era grande negócio porque passava em frente a todos os cinemas e sempre encontrava filas, mas não eram para filmes brasileiros, mas norte-americanos", recorda o professor de cinema Máximo Barro, da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).

À frente da companhia foi colocado o diretor Alberto Cavalcanti, que havia feito carreira na Inglaterra como documentarista. "Ele não era exatamente pessoa de estúdio, o que explica o fracasso da Vera Cruz mais para frente: há concepção de estúdio, tipicamente hollywoodiana, com técnicos europeus", analisa Andrade.

Cavalcanti encomendou os equipamentos mais modernos e contratou técnicos estrangeiros, evidenciando a necessidade de profissionalização na área. "Isso deu problema enorme porque o nacionalismo brasileiro dizia que nós não precisávamos importar técnico nenhum, alegando que éramos suficientes, mas na verdade estávamos muito atrasados", afirma Barro. Já os atores eram brasileiros, egressos do teatro.

A proposta da Vera Cruz era produzir filmes que pudessem agradar ao público internacional. Embora algumas produções tivessem projeção no Exterior, como "O Cangaceiro" (premiado no Festival de Cannes em 1953), a Vera Cruz interrompeu as produções em 1954, afundada em dívidas. "Os filmes tinham custos elevados. Cavalcanti sabia que nenhum filme se pagava no Brasil, a não ser as chanchadas", afirma Barro.

Dedicada à produção, sem dominar o processo de distribuição, a Vera Cruz encarregou da tarefa a Columbia Pictures, que também atuava como produtora. "Qual é o interesse de uma distribuidora norte-americana para vender no Exterior um produto brasileiro, que é concorrente?", questiona Andrade. Para ele, Zampari cometeu erros primários por não conhecer o produto que iria oferecer.

Quando os filmes eram vendidos, a distribuidora ficava com a maior parte da arrecadação. "Naquela época, o filme tinha de ser pago com a bilheteria, diferentemente de hoje que pode contar com distribuição em TV e formatos domésticos", compara Vinícius Del Fiol, coordenador do curso de Cinema e Audiovisual, na Universidade Anhembi Morumbi.

A partir de 1954, a Vera Cruz só atuou como coprodutora. "Começa a alugar equipamentos e estúdios, mas não coloca dinheiro para pagar ator ou técnico, comprar negativo e fazer sonorização, tudo vai para a conta do produtor do filme", diz Barro. Em 1955, passa ao controle do Banco do Estado de São Paulo, principal credor. "Zampari foi um entusiasta. A sua saída, somada aos fracassos financeiros, fez com que o estúdio minguasse aos poucos", diz Del Fiol.

Nos anos 1960, quando as ações estavam desvalorizadas, os irmãos Walter e William Khouri decidiram arrematá-las, o que lhes deu direito à razão social, ao acervo e aos equipamentos. E os estúdios, que ficaram com a Prefeitura, são até hoje procurados para filmagens, exposições e feiras.

Considerando que os polos de produção e distribuição estão concentrados no eixo Rio-São Paulo, Del Fiol avalia: "Reviver este estúdio é complicado por questões logísticas e, principalmente, porque hoje a produção é mais dinâmica". Para Andrade, transformar a Vera Cruz em estúdio cinematográfico também não faz sentido. "São construções enormes que dificilmente você utilizaria hoje. É um projeto dos anos 1950. O cinema mudou e as novas tecnologias não só baratearam como facilitaram o processo. Você usa pequenos estúdios e trabalha com cenários virtuais", argumenta.




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