Cultura & Lazer Titulo Especial
Vida longa ao vinil

Após mais de duas décadas, São Paulo volta a fabricar os lendários discos de vinil

Vinícius Castelli
29/04/2018 | 07:00
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Claudinei Plaza


 Nada de streaming de músicas, arquivo digital, tampouco CD. Estamos falando do disco de vinil, que segue, sim, com o coração batendo forte e com sua produção aumentando. Tanto que uma pesquisa realizada em 2017 nos Estados Unidos pela Nielsen Music apontou que a venda da boa e velha ‘bolacha’ subiu 3,1%, o equivalente a 9,35 milhões de unidades só na terra do ‘Tio Sam’. Segundo a Recording Industry Association of America, a venda de álbuns físicos superou, pela primeira vez desde 2011, o número de downloads pagos nos Estados Unidos.

E agora, após mais de 20 anos da desativação das fábricas paulistanas, São Paulo volta a produzir a peça tão querida. É um galpão bem iluminado, no bairro Barra Funda, visitado pelo Diário, que a mágica acontece. Lá funciona a Vinil Brasil, uma das duas únicas fábricas de disco em funcionamento no Brasil, que é capitaneada pelo corajoso e sonhador Michel Nath, que se dedica integralmente à tarefa. A outra é a Polysom, no Rio de Janeiro, que passou agora a fazer também fitas K7.

Na Vinil Brasil tudo começou em 2014, quando Nath estava fazendo seu disco solo, SolarSoul. Encomendou o álbum a uma fábrica na Europa e soube que em São Paulo havia prensas norte-americanas de vinil, dos anos 1950, abandonadas em um ferro-velho. Ele explica que as peças eram da antiga fábrica Continental. Ficaram sem uso por duas décadas até irem parar no relento, onde as encontrou. “O processo de reforma não foi fácil. Não tinha informação”, diz.

Nath foi atrás de profissionais para colocar as prensas em funcionamento, saiu em busca de informação e deu certo. “Não procurei as máquinas. Elas ‘caíram’ em cima de mim. Arrumei uma garagem, depois um galpão, e foi tudo acontecendo”, explica Nath.

“Tenho relação com disco desde sempre. Recorre à minha infância”, diz Nath, hoje com 41 anos. Para ele, a ideia da Vinil Brasil é de legado. “É um empreendimento comercial e a conta tem de fechar, claro”, explica. Mas ele diz não se importar se vai ficar rico ou não com a nova empreitada. “As pessoas consomem mais do que precisam. Nem carro eu dirijo”. Para ele, importa mesmo fazer algo que é importante renascer.

A Vinil Brasil respira pelas mãos e dedicação de 13 funcionários. Alguns carregam a experiência de fábricas como a RCA, outros são novos. E no vai e vem da rotina, o espaço tem capacidade para produzir até 500 discos por dia. E, detalhe, um a um, em processo, acompanhado pelo Diário, quase que manual. Há o corte nos disco de acetato, com a gravação da música. A peça dá vida a uma placa de metal que servirá de modelo para a prensagem. Impressionante ver o processo. Entre os artistas já ‘prensados’ no local estão Ratos de Porão, Tulipa Rui, Elza Soares, entre outros. A fábrica produz o vinil clássico, de 12 polegadas, e os compactos, de 7 polegadas. Estão em andamento testes para fabricação dos discos coloridos também.

Segundo Nath, qualquer um pode fazer seus álbuns lá. A tiragem mínima é de 300 cópias e os valores dependem muito de cada pedido. Se precisa de capa, encarte, do tipo de rótulo, da gramatura do disco, da quantidade, se é LP ou compacto. Um disco de 12 polegadas, com capa, sem encarte, pode ser feito por cerca de R$ 34, para o número mínimo de cópias. O orçamento deve ser solicitado pelo site www.vinilbrasil.com.br. Para o consumidor, o preço de um disco lacrado feito no Brasil custa de R$ 70 a R$ 150.

Mas nem tudo é festa. Para fazer seguir a produção, Nath diz que é uma batalha. Ele precisa de parafuso específico, por exemplo, e não existe quem faça. Tem ele mesmo de produzir. “Vivemos um momento difícil no Brasil. Tem gente que acha que só um louco para montar uma fábrica de vinil neste momento”, diz. Mas ainda assim, o sonho faz valer a pena. “O prazer é proporcional à responsabilidade. O tanto que tem de legal tem de difícil. Uma Vinil Brasil é pouco para a riqueza musical que temos no Brasil.” Próxima parada: aumentar a capacidade de produção e se tornar, além de fábrica, um selo.

Região sente melhora na procura pelos ‘bolachões’
No Grande ABC o mercado de discos de vinil segue ganhando força. O andreense Jean Gantinis cuida da loja Metal Music há 34 anos. Viu a decadência do ‘bolachão’, nos anos 1990 e agora seu ressurgimento. “Há dois anos a procura aumentou muito e estabilizou”, diz. Para Cesar Guisser, dono da loja andreense Vinyl Limpo e organizador da Feira Livre do Vinil de Santo André, que acontece há 14 anos, a busca por LPs aumentou. Ele acha que só não é melhor por conta das dificuldades financeiras do País. “Vai demorar, mas teremos mercado de LPs próximo do que era antigamente”, diz. Além dos locais citados, é possível garimpar raridades e encontrar álbuns novos na Rick and Roll Discos, em São Caetano, e bancas especializadas, como a andreense Ipiranguinha Discos.




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