Setecidades Titulo Rede de Sto.André
Cuidado, 'clientes' especiais

Da Cozinha Central saem 60 mil refeições por dia, mas atenção é redobrada com 1.000 para dieta especial

Wilson Moço
Do Diário do Grande ABC
26/11/2017 | 07:46
Compartilhar notícia
André Henriques/DGABC


A cidade ainda está em silêncio e a maior parcela da população de Santo André ainda dorme quando os panelões capazes de cozinhar 450 litros, em média, de alimentos a cada vez começam a fumegar na Cozinha Central para produzir o almoço que logo mais vai servir alunos de 51 Emeiefs e 36 creches da rede municipal. O cheirinho de comida caseira está no ar, tomado pelo vapor da fumaça. Os fogões são acionados por volta das 2h e desligados às 15h, quando a equipe termina de preparar a comida para os alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Do equipamento instalado desde 1968 na Avenida Capuava, no bairro Homero Thon, saem diariamente 60 mil refeições, quantidade suficiente para o almoço, com sobra, dos 48,3 mil moradores de Rio Grande da Serra. Todo o processo, da preparação à distribuição, é cercado de cuidados meticulosos, mas a comida destinada a cerca de 1.000 crianças que precisam de dieta especial recebe atenção redobrada.

Nem poderia ser diferente, porque a simples troca de etiqueta que identifica o aluno a que determinado alimento está destinado pode colocar a criança em risco. No caso, as 150 dietas que saem prontas da Cozinha Central, pois as demais são adaptadas nas próprias escolas. Afinal, nem todos os alunos devem ficar longe de todos os alimentos do cardápio do dia, explica Jacqueline Martins Laranjeira Pinto, 27 anos na unidade e que divide a tarefa de comandar a equipe de cozinheiros e nutricionistas com Simone de Cássia Genaro e Alessandra Martins de Souza.

“Cada uma das dez nutricionistas é responsável por um grupo desses alunos. Elas acompanham de perto todo o processo, porque não podemos cometer qualquer erro. Cuidamos da alimentação de todas as nossas crianças com muito carinho e cuidado, mas no caso de quem tem restrição alimentar os olhares devem ser mais atentos, pois lidamos com vidas. Temos uma criança que tem alergia múltipla e não pode consumir alimentos que contêm ovo, glúten, soja e lactose, por exemplo. A troca de alimentação pode ser uma verdadeira bomba para ela”, comenta Jacqueline.

O fornecimento de alimentação especial a alunos com restrições passou a ser obrigatório em 2014, com a entrada em vigor da lei 12.982, mas Santo André já em 2008 cuidava de seus alunos com necessidades alimentares especiais, conforme lembra a cozinheira Maria Conceição de Siqueira Pereira, que trabalha na Cozinha Central há 26 anos e é uma das responsáveis pela cozinha de dietas – a outra é Nilce Aparecida do Nascimento, 14 anos ali. “Tenho muito orgulho de trabalhar aqui e também sou muito feliz, porque a gente cuida da saúde dessas crianças. Faço com tanto amor que nem fico cansada”, diz.

E isso é a mais pura verdade, pois dona Maria Conceição transmite no brilho dos olhos e no sorriso nos lábios o quanto gosta do que faz, apesar do calor e da fumaça que tomam conta de toda a ala onde fica a produção. Mas em seguida ela olha para a parede logo na entrada da cozinha de dietas, onde constam nomes, escolas e o cardápio de cada um dos alunos, e muda o tom de voz: “Quando vejo que falta o nome de alguém na lista logo vou atrás para saber da criança, se aconteceu algo. Pode não ser nada, mas fico preocupada.” Mas a senhora sabe o nome de todos? “Ah, sei sim. Só quando é alguém novo que não. Mas se fica na lista, não esqueço”, diz ela, que cuidou da alimentação da primeira criança a receber a dieta especial na rede.

De lá para cá a demanda tem aumentado. Se por um lado isso é positivo pelo fato de que mais alunos que necessitam de alimentação especial terão esse cuidado nas escolas, por outro a coordenadora técnica Jacqueline Martins lamenta. “Infelizmente, o aumento mostra que muitas crianças que ainda não são atendidas precisam desse olhar especial, mas também aponta que estamos no caminho certo no nosso trabalho de divulgação.”

A importância de levar informação à comunidade escolar e a pais de alunos é lembrada também pelo superintendente da Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado de Santo André), Reinaldo Messias, responsável pela Cozinha Central e por outras dez na cidade, destinadas à produção e fornecimento da alimentação aos servidores. “Importante ressaltar que o aumento da demanda se deve a um trabalho muito forte de divulgação, inclusive com a ajuda das educadoras, que visitam nossa cozinha para saber como tudo é preparado e têm formação sobre a alimentação destinada a alunos com restrições.”

Nada de frituras na mesa

Frutas de época, salada e nenhum condimento são armas para alimentação saudável na escola

Rígido controle higiênico, sanitário e boas práticas desde o recebimento e estocagem dos produtos à entrega nas escolas faz parte do dia a dia da equipe que cuida de colocar comida na mesa de aproximadamente 30 mil estudantes, da creche à EJA (Educação de Jovens e Adultos), e dos servidores públicos. Mas a menina dos olhos do superintendente da Craisa, Reinaldo Messias, e do adjunto, Reynaldo Torres, é mesmo a Cozinha Central.

Em tempos em que a garotada está mais do que acostumada a refrigerantes, lanches e outros quitutes apetitosos, é de impressionar que dos panelões saem, em média, 1.800 quilos de comida todos os dias, mas nada de fritura.

Preocupação de todos os funcionários da cozinha que tem a responsabilidade de cuidar da comida dos estudantes, a cruzada para fornecer alimentação saudável e ao mesmo tempo propagar a importância da prática na vida das pessoas recebeu o reforço dos Reinaldos, como o próprio prefeito Paulo Serra (PSDB) se refere à dupla que comanda a Craisa. “Hoje temos uma alimentação saudável, com salada, frutas de época e nada de fritura ou condimentos. Portanto, desde já estamos educando nossas crianças para que aprendam o que é e a importância de uma alimentação saudável”, diz Messias.

Claro que a alimentação dos alunos no almoço não se resume a carne – cozida ou refogada com legumes –, arroz e feijão. O cardápio, elaborado por nutricionistas, tem também macarrão e sopa, entre outros. No dia em que a equipe de reportagem do Diário foi conhecer a cozinha, na quarta-feira, os estudantes teriam carne em cubos (500 quilos) cozida com cenoura e inhame (500 quilos), arroz (600) e feijão (500).

Se parece muito, é bom saber que também foram consumidos 500 quilos de alface e 5.400 de maçã, na sobremesa. Para garantir o café da manhã e da tarde do batalhão de alunos foram usados 300 quilos de leite em pó e 600 de bisnaguinhas.

Tão superlativo quanto a quantidade de alimentos é o orçamento reservado pela Craisa para garantir o fornecimento durante todo o ano, com produtos de qualidade e saudáveis. Para este ano, foram R$ 33 milhões, 21% menos do que em 2016 (R$ 41.750 milhões), quando dívidas de R$ 45 milhões com fornecedores por pouco não deixaram os estudantes sem a merenda. O primeiro desafio da dupla de Reinaldos foi conquistar a confiança de quem tinha a receber para poder encher a despensa.

“No começo foi difícil, mas como sempre pagamos em dia, muitos fornecedores começaram a querer voltar, e isso foi importante. Podemos dizer que conseguimos fazer mais com menos. Mostramos que é possível oferecer uma alimentação com qualidade, com mais opções, gastando menos. Prova de que é preciso tratar a gestão pública com responsabilidade”, avalia Torres.

O outro Reinaldo, o superintendente, completa: “Nossa prioridade para este ano era oferecer alimentação saudável e de qualidade para estudantes e servidores. E conseguimos. Temos outros desafios, mas queremos chegar ao patamar de melhor merenda do Brasil.”

Anjos da guarda cuidam dos estudantes

Matheus Pereira de Almeida, 11 anos, e Gabriel Valladas Lima, 9, estão entre as cerca de 30 crianças da Emeief Nicolau Moraes Barros, no bairro Silveira, que diariamente recebem a merenda especial preparada pela Cozinha Central. Ambos têm restrições alimentares, cada um por um motivo.

Matheus e Gabriel são diferentes nas preferências: o primeiro quer ficar longe das sopas, pois adora mesmo é farofa e pão de queijo; macarrão com molho e sopas fazem a alegria do segundo, obrigado a seguir a dieta por causa de alergia no esôfago, causada por gastrite.

São apenas duas crianças, mas se comportam como pequenos adultos quando se trata de seguir a orientação dos médicos e não fazem cara feia porque a comida deles é diferente da dos colegas. “É estranho, mas também é legal. Meus amigos às vezes pedem para experimentar, mas não dou”, diz Gabriel.

Trabalho mesmo teve e tem a mãe, Flávia Valladas dos Santos, para preparar a comida do filho, que tem de ficar longe de alimentos com soja, trigo, peixe e tudo que contenha traços de oleoginosas, como amendoim e castanhas. “Quando pensei como seria na escola, fiquei apavorada. Quando descobri que tinha essa merenda especial, fiquei mais calma. Não fazia ideia de que a cozinha tinha esse trabalho fantástico. Imagina se todo dia tivesse de mandar uma marmitinha para ele.”

Matheus é um pequeno guerreiro que logo aos 9 anos enfrentou sessões de quimioterapia por causa de tumor no cérebro, que em 2013 fez com que ficasse quase cego. O tratamento teve forte impacto na alimentação e ele perdeu 17 quilos. Foram três anos de dieta rígida, mas a fase difícil foi superada e ele já pode comer quase tudo, mas tem de manter distância do leite integral.

Vancleidia Pereira de Almeida, mãe de Matheus, entrega que o filho “é chato para comer”. Preocupada, leva uma marmita no carro quando vai buscá-lo na escola, com medo de que ele não tenha comido. “Nem precisava, porque na escola todos sempre foram muito atenciosos. São verdadeiros anjos da guarda.”
 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;