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Falta de remorso move 'maníaco do ABC', diz especialista
Mário César de Mauro
Do Diário do Grande ABC
23/06/2001 | 17:49
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Os sete casos de jovens que apareceram mortas com sinais de violência sexual em áreas de Ribeirão Pires e Riacho Grande (São Bernardo), desde 1999, desencadearam uma série de investigações que culminou, até agora, com a prisão de dois acusados: o reparador de veículos Agnaldo Cavalcante de Souza, 43 anos, e do peão de boiadeiro José Eudes Rosa da Silva, 38, o Zé Preto.

Uma força-tarefa formada por policiais civis da Delegacia Seccional de Santo André, São Bernardo e DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), de São Paulo, trabalham no caso que converge para as mãos do delegado titular de Ribeirão Pires, Luiz Carlos do Carmo.

Quase certo de que os crimes seriam cometidos por um serial killer, a polícia pediu ajuda para um dos maiores especialistas da psiquiatria forense do país, o médico Guido Arturo Palomba, 52 anos. Palomba tem extenso currículo em causas judiciais, com mais de 10 mil perícias feitas a pedido da Justiça, entre os quais grandes casos, como o do Bandido da Luz Vermelha ou o do Maníaco do Parque.

“Desde que me formei, em 1976, me dedico às causas forenses, quando nem havia registro no Conselho Regional de Medicina. Trabalhei como estagiário no Manicômio Judicial de São Paulo e lá fiquei por dez anos como médico chefe e, em algumas oportunidades, diretor substituto”. Palomba ainda coleciona títulos nas associações de medicina em São Paulo. Em entrevista exclusiva ao Diário, falou sobre o caso das sete jovens mortas no Grande ABC. Leia trechos:

DIÁRIO – Baseados nos sete casos de morte de jovens adolescentes em Ribeirão Pires e Riacho Grande, como se poderia traçar o perfil do assassino?
GUIDO ARTURO PALOMBA – Essa pessoa, obrigatoriamente, pelas características de como o crime foi praticado, não é normal. Diria que há uma grande probabilidade, pois ainda não houve nenhum tipo de exame direto, de ser um indivíduo que fica na fronteira entre a normalidade e a doença. Não é um doente mental e nem um normal mentalmente. Ele fica na zona fronteiriça entre a normalidade e a loucura. Na verdade, são os indivíduos mais perigosos, incorrigíveis, com características de frieza, falta de remorço e sentimentos para com a sorte das vítimas.

DIÁRIO – A forma como os corpos das garotas foram encontrados permite prever os pensamentos e atitudes do assassino?
PALOMBA – A forma como os crimes foram praticados revela como o indivíduo é. Então, em função dos corpos achados, da idade das vítimas, das lesões provocadas, da multiplicidade de delitos, é possível prever, com grande probabilidade de acerto, se tratar de uma pessoa sem nunhum tipo de arrependimento, um indivíduo frio, de baixíssimos valores éticos e morais, que deve levar vida solitária, mora sozinho ou possui grandes problemas de relacionamento. Uma pessoa que faz isso com insensibilidade afetiva e moral não deve formar vínculos profundos com a família. No entanto, não delira ou alucina, pois não é louco, é um fronteiriço. Pode ter algum passado não obrigatoriamente criminal, mas se tiver, não será surpresa. Crimes de atentado ao pudor, estupro e outros. São pessoas que possuem distúrbios de conduta desde o passado. Deve estar na faixa etária de 20 a 40 anos e ter apresentado outros distúrbios no passado.

DIÁRIO – Como é o ataque de uma pessoa fronteiriça?
PALOMBA – Não pensa em nada. Ela tem uma finalidade e quer saciar o desejo doentio e mórbido. Enquanto não sacia a vontade não pára, vai até o fim. Somente pode parar se aparecer algum empecilho, como uma testemunha, se perceber que algo pode dar errado. Por si só vai até onde puder. Não perde as noções porque não é um doente mental. Ele só consegue parar se alguma coisa for prejudicá-lo. Nunca por sentimento de piedade ou compaixão. Nisso, com certeza, são iguais.

DIÁRIO – E depois do ato, como fica a sua mente?
PALOMBA – O remorço é zero. Isso é regra número um quando se vai pesquisar uma pessoa assim. Eles são até engraçados e se arrependem por estar presos. O arrependimento não é em função do mal que causaram, e sim porque se sentem de alguma forma prejudicados. Nunca reconhecem o crime.

DIÁRIO – Como escolhem a vítima?
PALOMBA – É muito difícil definir, pois cada um tem o próprio estilo. Há os que são dedicados a homossexuais, a travestis ou crianças, sempre há um tema. Normalmente seguem um padrão. Matam em série, crimes repetitivos mais ou menos iguais. Na hora em que escolhem as vítimas, seguem suas próprias vontades. Quando há muitos crimes em seguida, normalmente podem ter concordâncias de detalhes relacionados a fatos secundários como dia de folga, do pagamento etc. Só sabemos a periodicidade depois de exames.

DIÁRIO – Em todos os casos eles chegam a consumar o estupro?
PALOMBA – Alguns não, pois todos têm profundos distúrbios sexuais, às vezes, são homossexuais não assumidos, impotentes etc. Nunca são normais sexualmente. Apresentam quadro de pervertidos.

DIÁRIO – Fronteiriços são dissimulados?
PALOMBA – Normalmente não há grandes dissimulações nos crimes. A forma da desova do cadáver, por exemplo, é do jeito mais fácil para ele. Não é algo muito elaborado, meticuloso, é algo despreocupado. Ele não se importa de fazer de uma maneira que nunca possa ser descoberta, como sumir com o corpo. Estão preocupados mais com o imediatismo. Estupram porque estão com vontade.

DIÁRIO – Depois que matam, gostam de se certificar sobre a morte da vítima, ou sua repercussão na mídia?
PALOMBA – Alguns possuem esse desejo doentio ou mórbido. No fundo, sentem uma vontade de voltar ao local do crime e ver a repercussão. Muitos se sentem até engrandecidos quando aparecem ou têm seus atos na mídia. Isso é bastante interessante. Não importa o modo de como chegam à fama.

DIÁRIO – Essas pessoas podem ter tido algum dia uma vida normal?
PALOMBA – Uma pessoa assim nunca teve uma vida normal. É comum distúrbios de conduta desde o início da adolescência, na maioria das vezes, mas não são distúrbios dessa monta. Pode ser um maltrato com animais de estimação, inconstância no estudo, no emprego etc. Conduta exemplar, hipoteticamente, nunca tiveram.

DIÁRIO – Uma separação conjugal pode desencadear um distúrbio?
PALOMBA – O que posso dizer com segurança é que esses indivíduos são constitucionalmente pré-dispostos. Uma vivência dolorosa, estressante ou traumática pode desencadear as potências que já possuem.

DIÁRIO – Dois homens estão presos, acusados de dois crimes e relacionados a outros cinco. É possível a existência de dois maníacos em sete crimes bem semelhantes?
PALOMBA – Tudo é possível. Apenas posso dizer que o responsável por esses delitos terá de ter, obrigatoriamente, um perfil que a psiquiatria convencionou chamar de condutopata, ou seja, a patologia está na conduta, o distúrbio de comportamento. O termo sociopata também é usado. Normalmente não atuam em duplas, mas não é de se descartar a possibilidade.

DIÁRIO – Ambos estão presos e, caso sejam culpados, ainda não confessaram. Essa atitude é normal?
PALOMBA – Eu não conheci nenhum estuprador que confassasse, não digo em relação aos dois presos. É como uma regra não confessar. Diria que 80% não confessam. No caso do Maníaco do Parque (Francisco de Assis Pereira), ele confessou admitindo os casos que apareceram. Normalmente admitem muito menos do que fizeram.




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