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Profissão necessária, mas nem sempre reconhecida no mercado
Olga Defavari
Bruno Corrêa*
21/02/2010 | 07:03
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A cada fim de festa, seja ela da magnitude do Carnaval, do Réveillon ou apenas uma reunião de amigos, a produção de lixo aumenta. Latinhas, papéis e restos de alimentos se acumulam nas ruas e residências. Acabou a Folia, todos se divertiram, porém para o bem-estar geral é preciso que alguém limpe toda a sujeira deixada. É aí então que eles entram em cena: os garis, que são os varredores e coletores responsáveis pela limpeza de ruas, praças, parques e vias públicas e por recolher o lixo de residências, indústrias e edifícios comerciais.

É possível encontrá-los com os uniformes cor-de-abóbora em dias e horários variados, de acordo com a escala de cada município, sob sol ou chuva, dando conta de deixar os espaços urbanos limpos e mais agradáveis.

A preocupação com o lixo ganhou importância nos últimos anos e hoje a profissão é mais respeitada e procurada. No entanto, nas décadas passadas era motivo de vergonha e sobravam vagas na área. É o que conta Elmo Nicácio, 33 anos, diretor do Siemaco (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo) que, em 1995, iniciou na profissão.

"Naquela época ninguém queria trabalhar como coletor. A placa que anunciava as vagas já estava enferrujada, preenchi a ficha e comecei a trabalhar no dia seguinte."

Elmo considera a profissão boa oportunidade para quem não tem muito estudo. A média de salário é de R$ 700 mais benefícios, com jornada de oito horas diárias, em turnos variados, dependendo da característica da localidade atendida.

O coletor, que tem Ensino Fundamental completo e veio de Alagoas para tentar a vida honestamente em São Paulo, adora o que faz, porém confessa já ter escondido seu trabalho. "Eu amo o que faço, mas quando era solteiro escondia a profissão porque se eu falava que era lixeiro, as meninas me deixavam falando sozinho." A sensação de menosprezo experimentada por ele e por tantos outros, foi até tema de tese de mestrado da USP.

O psicólogo Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou por oito anos como gari nas ruas da universidade. Constatou que, ao olhar da maioria, esses trabalhadores são seres invisíveis, sem nome. Em sua tese Homem Invisível conseguiu comprovar a existência da invisibilidade pública, ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.

Reflexo também das campanhas de conscientização ambiental que ganharam força na última década, boa parte da sociedade já percebeu o valor que tem esse trabalho. Apesar disso, o gari ainda se recente quando algum morador ao ser abordado para fornecer um copo de água lhe diz: "Pode levar o copo".

Varrer as ruas da cidade e coletar o lixo em dias chuvosos ou muito quentes não são tarefas das mais fáceis, mas apesar das intempéries, trabalhar assim pode ser divertido, considera Edinilson Castro do Nascimento, 39 anos, há 18 na profissão, como funcionário concursado em Santo André. "É preciso ser dedicado e atuar com gosto. O trabalho na rua é um serviço alegre".

Bem mais tímido que o conhecido gari Renato Sorriso, destaque na Sapucaí, no Rio de Janeiro, ao varrer a avenida após a passagem das escolas, Edinilson também limpa com prazer todos os anos a avenida onde acontecem os desfiles. Se engana quem pensa ser esta a festa que rende mais trabalho aos varredores.

Segundo ele, as eleições acumulam ainda mais lixo. O gari Edinilson acredita que a população de Santo André está um pouco mais consciente, mas chama a atenção: "As pessoas colocam muito lixo fora do horário e quando chove dá problema". Nos dias de enchente eles são chamados para retirar o barro e enfrentam trabalho um pouco mais pesado, sem contar o lixo que é remexido e espalhado na calçada.

Outro empecilho no dia a dia dessa profissão são os vidros quebrados, responsáveis por um dos principais motivos de afastamento. O diretor do sindicato, que conserva algumas marcas de cortes no braço, deixa também a dica para o melhor descarte de copos quebrados: colocar o copo quebrado dentro de uma garrafa PET. Para isso é preciso cortar um pedaço da garrafa e encaixar as duas partes (fundo e tampa) de modo que fiquem bem fechadas com o copo dentro.

Além da limpeza, o gari é também muito solicitado para serviços de informação. "Por isso é importante conhecer bem as ruas e os locais por onde passa", observa Edinilson, quase todos os dias abordado por alguém meio perdido pelas ruas da cidade.

Trabalho é recheado de emoção e cenas engraçadas

O lixo pode render histórias interessantes e inusitadas, basta prestar a atenção nele. Assim como fizeram os personagens da conhecida crônica O Lixo do escritor Luis Fernando Veríssimo, sobre um casal que se apaixona ao observar certas particularidades contidas no lixo um do outro.

Já na história vivida pelo coletor Elmo, um dos sacos de lixo continha uma particularidade valiosa. Parecia mais um dia corriqueiro de trabalho recolhendo lixos no bairro da Penha, Zona Leste de São Paulo. Como sempre fazia retirou os sacos que estavam na frente da oficina mecânica. Logo em seguida o dono do estabelecimento saiu em disparada atrás do caminhão, ao perceber que sua mulher havia jogado por engano documentos e dinheiro no lixo. Os lixeiros foram avisados do ocorrido e o mecânico acompanhou o caminhão até o local de descarga. Por sorte o saco premiado ainda não tinha passado pela trituradora. Nele estavam talão de cheques, documentos e R$ 5.000 em dinheiro. Deste episódio todos saíram felizes, até os coletores, que ganharam uma caixinha do dono da oficina.

Algo muito mais valioso foi encontrado pelo colega de profissão de Elmo, que teve a sorte de ouvir a tempo o choro de bebê com poucas horas de vida em um dos sacos no caminhão. Além do grande orgulho, o fato lhe rendeu aparição em programa de televisão quando viveu a emoção de conhecer pessoalmente a criança salva por ele já crescida.

País produz 228 mil toneladas por dia

Ainda em 2010 será apresentado um relatório atualizado sobre a situação do lixo no País. Os dados do IBGE são divulgados a cada dez anos. A última pesquisa de saneamento básico divulgada pelo órgão em 2000 dá conta de que no Brasil são produzidas 228 mil toneladas de lixo por dia, e dos 5.507 municípios brasileiros, 5.475 possuem serviço de limpeza urbana, mas apenas 451 têm coleta seletiva e 352 têm sistema de reciclagem.

Atualmente a cidade de São Paulo, maior metrópole da América do Sul, gera 15 mil toneladas de lixo diariamente (residencial, de saúde, restos de feiras, podas de árvores, entulho etc). Só de resíduos domiciliares são coletados mais de 9.500 toneladas por dia, segundo dados do site da Prefeitura. Duas empresas são responsáveis pela coleta e cerca de 3.200 pessoas trabalham no recolhimento dos resíduos e são utilizados 492 veículos (caminhões compactadores e outros específicos para o recolhimento dos resíduos de serviços de Saúde).

*O conteúdo editorial desta página é de inteira responsabilidade da Universidade de São Caetano do Sul, com supervisão editorial dos jornalistas Eduardo Borga e Nelson Tucci, da Comunicação da USCS




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