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‘Hotel Lancaster’ é amoral
Mauro Fernando
Do Diário do Grande ABC
28/02/2003 | 22:03
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Hotel Lancaster, peça de Mário Bortolotto em cartaz no Espaço Cemitério de Automóveis, em São Paulo, aborda a questão das drogas e pode ser acusada do que for – embora não haja motivos para isso –, menos de moralista e maniqueísta. Dirigido por Marcos Loureiro, o espetáculo encerra a temporada no domingo.

Noite de Réveillon em um hotel de péssima reputação e decrépito. Quarto de Samuel (Jorge Cerruti), um traficante. Pelo espaço passam o viciado Cláudio (Gabriel Pinheiro) e sua partner Debbie (Thaís Barros), o violento ex-policial Lobo (Sergio Mastropascqua), o junkie Odosvaldo (Henrique Stroeter) e os homossexuais Rick (Rodrigo Lopéz) e Lola (Angela Dip). Têm seus interesses, sejam drogas ou não.

Eles se colocam entre os que vivem à margem, desprovidos de perspectivas ou esperanças. Vivem a urgência do cotidiano que mastiga e cospe num movimento automático e sem sequer se perguntar o porquê. São incapazes de vislumbrar alguma saída para a situação em que se colocaram.

Não há psicologismos a travar as ações. Samuel e Cláudio se arrastam, e aos outros também, ao confronto inevitável. O texto, indicado ao prêmio Shell, trata os personagens sem indulgência. É inadequado chamar Hotel Lancaster de peça-denúncia, ainda que ela mostre uma realidade que a sociedade mesquinha, detida nas aparências, prefere esconder debaixo do tapete a enfrentar.

Maniqueísta, Bortolotto não o é. Constrói, dentro de uma relação dialética, personagens amorais. Se o viciado precisa da droga, o traficante as vende. Uma situação que remete à lei da oferta e da procura – inexistem questões humanas com as quais se preocupar. Que se afastem, porém, leituras marxistas.

Um tipo de humor incisivo, longe de ser catalogado como fácil, permeia o espetáculo – trabalho do texto, da direção e dos atores que dá uma certa leveza à atmosfera nada edificante em que os personagens transitam. Coeso, o elenco se entrega à cena como quem se atira à água no deserto escaldante, o que potencializa os acertos da montagem.




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