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Lendas urbanas persistem até hoje
Reynaldo Gollo
Da Redaçao
26/06/1999 | 17:23
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No western de 1960, O Homem que Matou o Fascínora (de John Ford), um repórter entrevista um senador que fez carreira com a fama de ter matado um grande bandido. Durante a conversa, o político (interpretado por James Stewart) confessa que, na verdade, quem matou o sujeito foi outro cara (John Wayne). Empolgado com o "furo", o repórter leva a história ao seu editor, que se recusa a publicá-la e encerra a conversa decretando: "Quando a lenda é melhor do que o fato, imprime-se a lenda".

Boatos e lendas têm, geralmente, a mesma origem: um fato, muitas vezes insignificante, que as mentes imaginosas, bem ou mal-intensionadas aumentam conforme a necessidade, tornando-o uma ficçao. Os boatos, quando correm e se perdem no tempo sem ser veementemente desmentidos, causam alvoroço e acabam virando lendas, sem que ninguém saiba dizer com certeza onde há verdade ou mentira nessa história.

Essas modernas histórias imaginárias sao chamadas nos meios da psicanálise norte-americana de "lendas urbanas" (neste ano, foi lançado um filme de terror trash com esse nome, no qual adolescentes, à moda Sexta-Feira 13, sao vítimas de um assassino serial que imita lendas modernas na hora de cometer seus crimes).

Uma pesquisa publicada pelo psicólogo Allan Kimmel, professor da Fitchburg State College, de Massachusetts (EUA), descreve o boato que vira lenda como uma forma de a pessoa arranjar uma explicaçao para aquilo que nao entende, criando uma "sensaçao (falsa) de ter o controle em um mundo ameaçador". Como soluçao, prega que se negue o boato imediatamente, segundo Kimmel, a única maneira de acabar com ele.

A psicóloga Luciana Del Rey, do sistema de Saúde da Prefeitura de Sao Bernardo, acredita que a necessidade de auto-afirmaçao é um dos combustíveis das lendas urbanas. Segundo ela, é comum uma pessoa ser inquerida sobre um boato e, mesmo sem conhecê-lo, acrescentar detalhes para nao passar por desinformada.

"Algumas lendas sao criadas com objetivos práticos", diz Luciana. As crendices populares, em sua maioria, teriam finalidades disfarçadas. "Falar, por exemplo, para crianças nao deixar sapatos virados para baixo ou roupas pelo avesso porque podem atrair morte na família têm a funçao de induzir os filhos a nao deixar o quarto desarrumado. Também algumas histórias fantasiosas crescem para impulsionar o turismo em algumas cidades" , diz a psicóloga, referindo-se a fantasias do tipo "ET de Varginha" (MG). Aliás, a própria Luciana era uma das vítimas de uma lenda turística. Até essa entrevista, ela acreditava ter sido a Casa de Pedra, na Serra do Mar, o ninho de amor da marquesa de Santos e de dom Pedro I, como sempre lhe disseram desde criança.

Uma boa lenda, bem absorvida pela populaçao, pode ter eco por muito tempo. O assessor de Comunicaçao da Souza Cruz, Joao Paulo Uriate, diz que, até hoje, a empresa ainda recebe cartas de pessoas perguntando sobre uma suposta promoçao nos anos de 1970. Corria de boca em boca que mil selos de cigarro valiam uma cadeira de rodas. "O boato teve grande repercussao durante toda a década. Recebíamos milhares de cartas com selos de cigarro pedindo uma cadeira. Tínhamos de responder às cartas, e, por causa desse episódio, a empresa acabou criando o seu Serviço de Atendimento ao Cliente", conta Uriate.

No início dos anos de 1980, a Souza Cruz investiu muito dinheiro em campanha publicitária para desmentir a tal promoçao. E, como na maioria das lendas, nao se soube de sua origem com certeza. "Nao se tem a mínima idéia de onde surgiu o boato. Mas essa história nos deu muito trabalho." Atualmente, surgiu até um filho bastardo dessa lenda. Há pessoas juntando anéis de latas de cerveja ou refrigerante para trocá-los por uma sessao de hemodiálise no Hospital das Clínicas - seria preciso cerca de 300 anéis, dizem alguns.

Em resumo, geralmente essas pequenas lendas geram dor de cabeça para algumas pessoas e a forçada necessidade de explicaçoes. Algumas, bem espirituosas, como a do escritor Mark Twain, no início do século, depois de ler em um jornal notícia sobre a sua suposta morte. Twain enviou uma carta para o editor da publicaçao: "Escrevo para avisar que as notícias sobre minha morte sao um pouco exageradas".




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