Cultura & Lazer Titulo
Poder em família
Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
16/01/2007 | 20:11
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Antonio Petrin tem mais de 40 anos de carreira, mas na hora de falar sobre Max, o qual interpreta a partir desta quarta-feira na peça Volta ao Lar, o ator não hesita: “Nunca tomei um baile para fazer um personagem como este”. A peça em questão é biscoito fino da temporada, dada a qualidade e raridade com que são realizadas montagens com textos do autor, Harold Pinter. O britânico é vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2005 e tem Volta ao Lar na lista de suas grandes obras. O espetáculo estréia somente quinta-feira para o público e fica em cartaz até 1º de abril no Tucarena, em São Paulo.

Max é o patriarca de uma família inglesa aparentemente normal, mas capaz das maiores vilanias. Tudo começa quando, após seis anos vivendo nos Estados Unidos, o primogênito Teddy regressa ao lar para apresentar sua bonita, educada e atraente mulher, Ruth.

Na casa moram o profano e misógino pai (Max), que é viúvo; o caçula Joey, abobalhado e bruto, que pretende ser um boxeador; o cafetão Lenny, irmão do meio; e o tio Sam, um sujeito “em cima do muro”.

A chegada do casal muda a rotina de tal forma que ela acaba assumindo o papel de amante e prostituta proposto pelos familiares do marido, com a anuência deste. “Este é um dos textos mais cruéis que tive a oportunidade de fazer”, diz Petrin. O ator explica que a crueldade vai se desnudando com um cuidado arqueológico. “Debaixo de cada palavra, há sempre outra leitura; elas têm uma outra verdade. É como se houvesse uma fina camada de areia que fosse retirada aos poucos”, descreve.

A dialética sempre presente no pensamento do autor, que questiona a verdade e a mentira nos fatos, toma corpo nas relações da família. Pinter, que defendeu ideais humanitários e atacou duramente a política imperialista dos Estados Unidos – sustentando que por trás da idéia estadunidense de democracia estão escondidas as piores atrocidades – mostra como a sociedade é reflexo das degeneradas relações familiares, que nada mais são que pequenos núcleos de disputa pelo poder.

Uma disputa aqui tomada de maneira radical, porém absolutamente plausível no alcance da maldade humana. Daí a razão de encontrar um paralelo entre a história de Volta ao Lar e o filme de Lars Von Trier, Dogville.

 “Aparentemente, é um texto machista, mas depois as pessoas percebem que é feminino, porque Ruth se apodera da família. Ela se torna a dominadora do espaço”, afirma. Não que seja a volta por cima da oprimida: ela estabelece a mesma disputa pelo poder que os homens da casa.

Pinter desenvolve uma linha absolutamente pessoal na construção das histórias. Ele não parte de uma idéia linear, com começo, meio e fim, mas de uma imagem que, no caso de Volta ao Lar é a primeira cena: um homem velho pergunta ao mais jovem por uma tesoura desaparecida.

É como se no processo de construção os personagens criassem vida própria e caminhassem para um desfecho com o qual nem o próprio autor pudesse a princípio imaginar. “É isso o que o torna fascinante. Há sempre uma surpresa grande”, diz. Contudo, Petrin acredita que mesmo sem seguir o caminho traçado por Pinter é possível fazer sua própria leitura do espetáculo.

Segundo o ator, esta peça não corresponde à fase mais “econômica” de Pinter, cuja dramaturgia também ficou conhecida pelos silêncios e textos curtos. “Volta ao Lar é anterior a esta fase. O Max é uma máquina, fala muito, e de um jeito cruel e violento”, afirma. Embora seja realista, a peça não comporta espaços para exibir as reflexões do personagem. “Tudo sai no fluxo do pensamento”. Por isso, Max pode ter uma cena de absoluta explosão e no segundo seguinte dirigir-se docemente a outro personagem. Parece beirar a loucura.

Polêmica, a peça já causou muita dor-de-cabeça ao tradutor Millôr Fernandes que, nos tempos da ditadura, foi acusado de enxertar palavrões no texto para torná-lo mais picante. Algo que rechaçou veementemente no artigo Palavrões e Palavrinhas publicado na imprensa.

 “Na época podia ser tratado como algo chocante, mas hoje essas palavras não causam mais tanto escândalo”, diz. O mais cruel e doloroso é a própria maldade que conduz as relações. Uma disputa de poder que assume dimensões verdadeiramente assombrosas.

Volta ao Lar – Drama de Harold Pinter. Dir.: Alexandre Reinecke. Com Antonio Petrin, Ester Laccava, Jorge Cerruti, Marat Descartes, Renato Modesto e Sérgio Mastropasqua. Estréia nesta quarta para convidados e quinta para o público. Quintas, sextas e sábados, às 21h; domingo, às 19h. No Tucarena – r. Monte Alegre, 1.024. Tel.: 3670-8455. Ingr.: R$ 10 (quintas-feiras), R$ 30 (sextas e domingos) e R$ 40 (sábados). Até 1º de abril.



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