Cultura & Lazer Titulo
Morre em SP o cineasta Walter Hugo Khouri
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
27/06/2003 | 19:50
Compartilhar notícia


Com a morte de Walter Hugo Khouri, aos 73 anos, São Paulo perde a sua mais completa tradução nas artes cinematográficas. O diretor morreu na madrugada de sexta-feira, às 5h, em sua casa, localizada no Centro da capital, após sofrer um ataque cardíaco. O corpo está sendo velado desde as 17h de sexta-feira na Cinemateca Brasileira, na Vila Mariana, e deve prosseguir até as 10h deste sábado, horário previsto para o enterro, no Cemitério São Paulo.

Khouri nasceu em São Paulo em 1929 e sempre foi fiel a seu cosmopolitismo. Durante anos, ele e o irmão William (já morto) administraram a Cia. Vera Cruz, em São Bernardo, depois do desgaste financeiro da era Franco Zampari e da derrocada da Brasil Filmes, que manteve os estúdios em funcionamento ao fim dos anos 50. A marca Cinematográfica Vera Cruz Ltda. e o acervo da produtora (18 longas) ainda hoje pertencem à família Khouri, sob responsabilidade dos primos Wilrey (filha de William) e Wilfred (herdeiro de Walter Hugo).

Nos estúdios da avenida Lucas Nogueira Garcez teve início a carreira de Khouri. Confrontado com a magnitude técnica da produção de O Cangaceiro (1953), o então estudante de filosofia deixou o curso para se aventurar no cinema e estrear na direção com O Gigante de Pedra (1953). Duro foi dobrar a família. “Quem se dedicava ao cinema nos anos 50 era considerado um vagabundo”, diz Khouri em entrevista a Sérgio Martinelli, publicada no recente, e belo, livro Vera Cruz – Imagens e História do Cinema Brasileiro (ABooks).

São comuns as indagações sobre o legado da Vera Cruz. Apresenta-se, hoje, como um modelo ultrapassado e frustrado de manter processos industriais em país subdesenvolvido. Isso, no caso das finanças. Quanto aos procedimentos técnicos – graves, em oposição a experimentalismos e “câmera na mão” –, Khouri nunca os descartou.

Era zeloso, um dos poucos a poder ostentar um “cinema de autor”. Entenda-se por autoria, neste caso, a concepção completa da obra. Khouri foge daquele estereótipo de cineasta de boininha, sentado numa grua a esbravejar ordens e mais ordens. Trabalhava em etapas, escrevia o roteiro, dirigia as cenas e segurava ele mesmo a câmera.

Nem por isso escapou aos cinema-novistas. Para Glauber Rocha, eram comezinhos de pequeno-burguês os seus filmes e o nivelava a Mário Peixoto, do mítico Limite. Existencialismo demais, compromisso social de menos, era do que o acusava o autor baiano de Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Chamavam-no de bergmaniano, cabendo aqui elogios e críticas. Observaram em Estranho Encontro (1957) e Noite Vazia (1964), seus principais filmes, reflexos tardios da influência do sueco Ingmar Bergman. Julgaram-no repelente (e primitivista até) por um universalismo que alienava sua obra, retirava-a das discussões sociais no Brasil.

Antes de tomar partido, é necessário apontar que o Cinema Novo foi um manifesto socialista, não empenhado em compreender expressões artísticas de seu tempo que não rezassem os versículos da “estética da fome”, de uma arte que transmitisse ao público a dificuldade de realizá-la.

Amor, Estranho Amor – a mítica estréia de Xuxa nos cinemas – e As Feras são de Khouri, mas não representam o completo Khouri. O intimismo (bergmaniano, sim) das relações entre playboys e prostitutas em Noite Vazia, os movimentos de câmera à Antonioni que valem mais do que mil palavras em A Ilha e Corpo Ardente, a câmera subjetiva que se transforma em personagem central em Eros, o Deus do Amor etc. Khouri foi um esteta, mas nunca privilegiou, em detrimento de questões estritamente humanas, dogmas ideológicos ou proselitismos. O que nem sempre é um defeito.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;