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No bastidor dos motéis, um exército
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
09/11/2002 | 18:58
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Motel parece cartola de mágico: a comida surge de repente no armário; a cama já vem arrumada; as toalhas de banho, limpas e passadas; na sauna, sai um vapor gostoso; a banheira, pronta para uso; e o único funcionário que a gente mantém contato é a recepcionista. Para tudo funcionar como se fosse um passe de mágica, um exército de trabalhadores dá duro durante 24 horas nos bastidores. Na semana passada, o Diário freqüentou o lado oculto de alguns motéis de luxo da região, para revelar o making of desses templos do prazer.

Cerca de 50 a 60 pessoas trabalham em regime de turno em um motel sofisticado. São arrumadeiras, marceneiros, jardineiros, piscineiros, cozinheiros, garçons, oficiais de manutenção e de eletricidade, e gente habilidosa capaz de consertar desde uma válvula defeituosa de uma banheira de hidromassagem até uma TV quebrada.

O faz-tudo Virgílio Manoel de Medeiros, 42 anos, anda para cima e para baixo com um rádio de comunicação no bolso da camisa, enquanto ferramentas, pedaços de cano, roscas e outros elementos não-identificados escorrem pelos bolsos da calça. Ele se orgulha de arrumar qualquer coisa. O duro é quando quebra algo dentro de uma suíte, com hóspede lá dentro. E hóspede de motel, geralmente, fica pelado. “É complicado. Dá uma vergonha danada. Eu entro e saio de cabeça baixa.”

Nessas horas, quem também “morre de vergonha” é a arrumadeira Sonia Maria Lemos Borges, 24 anos, casada, dois filhos. Ela foi chamada às pressas para limpar uma suíte, onde rolava uma movimentada despedida de solteiro. Um dos convidados havia derrubado uma bandeja de comida e o molho havia aterrissado por todo lado. Lá dentro, ela pôde perceber, tinha muita mulher sem roupa e um clima festivo. “Fiz o que tinha de fazer e saí rapidinho.”

Insólita – Arrumadeira de motel é a primeira que entra na suíte, depois que os hóspedes vão embora. É a primeira também que encontra o que os outros esquecem. Elaine Andrade de Sobral, 24 anos, trabalha há apenas três meses como arrumadeira e já encontrou muita coisa: “Achei uma calcinha verde, meio pintada, pendurada no chuveiro. Fiquei até com medo de pegar”. Ela se deparou ainda com calcinhas de outras cores (“muitas”), sutiãs, brincos, relógio, camiseta e até um par de sapatos e uma calça. “Como alguém pode esquecer uma calça?”, Elaine se pergunta.

A colega dela, Francisca Martins, 36 anos, com mais tempo de casa, achou vários vibradores. Um deles, no entanto, era especial. Um casal de lésbicas voltou no dia seguinte, em busca do objeto de estimação. “O vibrador foi devolvido e as duas se tornaram freguesas”, lembra um funcionário.

A arrumadeira Sonia destaca, entre os objetos esquecidos, uma surpreendente “cueca com absorvente feminino”, além de outras peças mais comuns como sandálias, blusas e camisas.

Poucos clientes reparam, mas cama de motel precisa ser feita com arte. Não basta trocar os lençóis. É preciso encantar o hóspede. A arrumação da cama pode ser feita em vários formatos: rosa, leque, folha, trança, vestido de noiva e até borboleta.

Comida – “Cliente de motel não fala”, constata o gerente do motel Confidence, João Silva, 37 anos. “Quando ele não gosta de algo, simplesmente não aparece mais.” Por causa dessa lógica cruel de mercado, os proprietários desses estabelecimentos procuram formas de agradar a clientela. Uma delas é óbvia: o cliente é preso pelo estômago. Muitos motéis incluem na diária café da manhã, almoço, jantar e, se a refeição estiver gostosa, o cliente fatalmente vai voltar.

As cozinheiras Maria Aparecida Silva, 39 anos, e Elza Detlinger, 62, ambas do motel Le Moulin, revelam uma curiosidade: há clientes que aparecem por lá apenas para almoçar ou jantar. “Tem gente que só vem buscar a comida”, elas contam, sem esconder a satisfação. É o lado delivery do motel.

O chef do Confidence, João Almeida Damasceno, 43 anos, é baiano de Vitória da Conquista e aprendeu a fazer pratos sofisticados, como Lagosta à Thermidor, Camarão à Saint-Jacques e Bacalhau à Gomes de Sá, ao longo de seus 25 anos de profissão. Damasceno se prepara para cursar uma faculdade de gastronomia. Uma das professoras do cursinho, freqüentadora do motel, descobriu que era seu aluno que preparava o irresistível Bacalhau à Gomes de Sá. “Ela comenta que vem ao motel mais para comer o bacalhau do que para namorar.”

A movimentação nos bastidores de um motel é intensa. Passam arrumadeiras, carregando lençóis; garçons apressados, com bandejas fumegantes. Quem caminha pelo longo corredor interno de serviço e ouve as mulheres gritando de prazer nas suítes, não pode deixar de lembrar aquela máxima do balconista de boteco de praia, em dia de sol: “Todo mundo se divertindo e só eu trabalhando”.




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