Para angariar fundos para o tal churrasco, Sousa apurou o figurino, foi à avenida João Firmino e abordou quem passava dizendo estar com seu caminhão quebrado e precisando de dinheiro para guinchá-lo. “Eu disse que precisava voltar para o interior e que iria tomar uma multa de R$ 180 se não tirasse o caminhão na hora”, contou. Morador de rua, Sousa não tem caminhão, mas levantou R$ 40, suficientes para refrigerante, pinga e carne devidamente assada em uma rua próxima à praça.
“Comemos e bebemos pinga a noite inteira”, diverte-se Sousa, 12 anos de rua, parceiro de Lourdes Aparecida Barreto, 21 anos, liderança no grupo, que varia de dez a 15 pessoas. Ele é da “diretoria”, como diz Frederico Parry, 44, o Fred, que compõe, com Sousa e Dirceu Scalabrini, 50, parte do corpo diretivo.
Para participar do grupo da Matriz, não se paga, como em outras bancas de moradores de rua de São Bernardo, o famigerado pedágio, que oscila entre R$ 0,50 e R$ 1. “A gente vive como uma família, um ajudando o outro para beber, fumar e comer. E ninguém tem que pagar”, disse Fred. “Todo mundo ajuda como pode.”
Conquistar um prato de comida em restaurante, só depois das 15h, quando não há mais movimento de fregueses, frisa Fred. “Antes disso, não adianta chorar, porque eles não dão”, disse.
Na pesquisa da Guarda Municipal, idéia da soldado do 1º Grupamento (Centro) Rosemari de Souza do Rosário, desemprego e álcool somados são a causa principal da vida na rua. Foram entrevistados 23 dos 205 moradores de rua de São Bernardo – 14 admitiram ser alcoólatras e 17 disseram ter ido para a sargeta ao perder o emprego. Dezenove dos 23 entrevistados não possuem passagem policial. “Após a pesquisa, os moradores de rua começaram a olhar para a gente diferente, o que facilita o trabalho, e os próprios guardas viram que eles são pessoas, e não lixo”, disse Rosemari.
As bancas se distribuem por praças do Centro – além da Matriz, Brasitália, Lauro Gomes e outras com grupos menores. Giuliano Rodrigues Nicolini, 29 anos, técnico em telefonia, alcoólatra desde os 13, tentou ir para outra banca, se desentendeu e acabou apanhando. Na quinta-feira passada, era reaceito no grupo da Matriz. “Estou na rua desde que minha mulher me abandonou e comecei a beber de uma vez. Poderia voltar para a casa dos meus pais, mas não consigo fazer parte do sistema deles, cheio de horários.”
Lourdes e Sousa estão juntos há mais de um ano, depois que ela saiu da casa da família para a rua. No grupo, composto majoritariamente por homens, ninguém mexe com Lourdes.
Morador de rua não é “ladrão”, “chimpanzé” ou “orangotango”. “A gente vive na rua, mas ninguém virou maluco. As pessoas olham para nós com nojo e desconfiança, mas não é bem assim do jeito que elas pensam”, avisa Sousa.
Como a maioria dos demais, o curitibano Vladimir de Andrade, 46, quer um emprego e não consegue. “Me separei da mulher há dez anos, e só consegui viver sem destino, até que vim parar em São Bernardo.”
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