Setecidades Titulo
A extravagância ao alcance de poucos
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
15/11/2003 | 19:51
Compartilhar notícia


Exclusivos, especiais, caríssimos, só para poucos: um carro computadorizado de R$ 630 mil; um tapete que custa mais do que uma casa; um par de brincos vendido pelo preço de dois carros populares; quadros com o preço calculado em euro. Quem acha que o Grande ABC é uma região industrializada, de comércio voltado só para a classe média operária, passou longe. Esse mercado de produtos de luxo está bem aqui na região. Com um detalhe importante: próximo, de alguns; e distante, muito distante, da maioria dos humanos.

É um mundo à parte, de preços astronômicos, situados em um ponto além da imaginação de quem vive de salário. São objetos cintilantes, invejáveis, carregados de status e de uma espécie de identidade própria.

“Ele só falta falar”, diz a vendedora da concessionária de veículos Agulhas Negras, em São Bernardo, referindo-se ao BMW modelo 760, 2003/2004, que custa R$ 630 mil, o equivalente a 50 Uno Mille zero quilômetro.

O carro tem quatro rodas, direção, portas e vidros. Pronto, encerram-se aí as características que o mantém dentro de sua espécie. Quando se olha de fora, o BMW 760 Li/A Sedã até parece um carro, só que está muito distante de seus semelhantes.

Quando se entra nele, observa-se que um mortal comum teria dificuldade para movê-lo. No lugar do prosaico câmbio, encontra-se um mouse de computador. Bate o desespero no curioso: “onde estão as marchas?”. Bem ali, aponta a vendedora, no volante da direção, como os existentes nos carros de Fórmula 1.

O que seria a alavanca de câmbios transformou-se em umas chapinhas delicadas. Com um leve toque de dedo, muda-se da 1ª para a 2ª até a 6ª marcha, liberando a potência de seus 445 cavalos, que atingem a velocidade máxima de 250 km/h. Para reduzir, basta dar outro suave toque no lado interno da direção. A embreagem foi abolida.

Pense em algo sofisticado que possa existir dentro de um carro. Pensou? O BMW 760 Li/A tem: ar-condicionado individual para cada passageiro, sistema antifurto por GPS, computador de bordo, monitores de TV, telefone celular instalado, tapetes de veludo, controles de distância para estacionamento, airbags, kit de primeiros socorros, sensores de chuva, sistema de navegação, controle eletrônico de amortecedores, teto solar de cristal, controle de frenagem, além de rádio, CD, alto-falantes profissionais. Só falta mesmo falar.

Brincos – Bem perto da concessionária BMW fica o Shopping Metrópole, onde está uma filial da joalheria Dryzun. O top da loja é uma peça de tirar o fôlego de quem gosta de jóias. Trata-se de um par de brincos de design moderno, em ouro branco, de 18 quilates, com 280 diamantes e duas pérolas brancas com 10 milímetros. O preço? Prenda a respiração: R$ 29,5 mil.

A vitrine da Dryzun oferece ainda uma coleção especial (lapiseira, esferográfica e caneta tinteiro) da classuda grife Montblanc por R$ 8,4 mil. Já o relógio suíço Movado, sport edition, com quartzo e diamantes, é cravado em aço e sai por R$ 16.390. Com essa grana, seria possível comprar 1.092 relógios piratas no paraguaizinho de São Bernardo.

Será que existe mercado para esses produtos na região? “Tem gente que compra”, garante uma vendedora da joalheria. A elite da região, no entanto, freqüenta pouco as joalherias e prefere escolher esses produtos em casa. Uma vendedora de jóias muito conhecida, “esposa de um delegado”, vem de São Paulo e leva a mercadoria na casa da freguesa. “São jóias muito boas”, informa uma socialite, que prefere não se identificar. “Pouca gente da elite vai em joalheria. O atendimento ainda é feito em domicílio. Tudo camuflado”, ela ensina.

Por conhecer bem a região e sua clientela, a loja Maria Maria, no Shopping ABC, oferece um serviço semelhante para clientes especiais. A proprietária Maria de Fátima Ribeiro Grecco prepara sacolas com as novidades mais recentes de grifes famosas e envia para suas prováveis compradoras, a maioria empresárias.

Dentro da sacola, vai um 'kit básico' com calças, sandálias, vestidos, jeans, cintos e acessórios. O preço médio gira em torno de R$ 830, mas pode chegar às alturas se incluir peças de alto calibre, como um vestido da Forum de R$ 700. “As minhas melhores clientes nunca aparecem na loja”, segreda Fátima.

A recém-inaugurada Victor Hugo, no Shopping ABC, ostenta uma preciosidade. É uma bolsa, em forma de meia-lua, que parece inocente, mas representa uma ponte entre alta tecnologia e artesanato. A peça de luxo foi elaborada em couro prensado, com flores multicoloridas sobrepostas, pintadas à mão, uma a uma. A criação vai para a mão da cliente por singelos R$ 2.055.

Tapete-voador – O comerciante de tapetes João Carlos Mazza, da loja Pazyryk, gosta de contar histórias enquanto vende suas mercadorias. Ele folheia enciclopédias, mostra fotos, ilustrações e verbetes. Fala de reis franceses, dos persas e de velhas técnicas de fabricação de tapetes.

Fora da loja, ele pede a ajuda de uns quatro funcionários para abrir uma tapeçaria Aubuisson de 50 metros quadrados, produzida na China, à mão.

Se o tapete voasse, como nas histórias das Mil e Uma Noites, Mazza e sua peça ficariam sobre Santo André igual àquela nave alienígena em Independence Day, cobrindo o sol. O preço da tapeçaria daria para comprar uma bela casa na região: R$ 150 mil.

Quem acha que a peça ficará mofando na Pazyryk, engana-se. “Na semana passada, veio uma cliente. Ela adorou. Ia levar o tapete, mas infelizmente não cabia no apartamento dela”, lembra Mazza.

(Em tempo, Pazyryk é o nome de um príncipe russo, morto há 2.500 anos e em cujo túmulo os arqueólogos encontraram o mais antigo tapete produzido sobre a Terra. Tapete também é cultura.)

A exemplo de Mazza, o artista plástico Odamar Versolato adora histórias. Incansável, ele percorre mercados de pulgas, brechós, em busca de peças raras. Descobriu recentemente um jogo de poltronas do Império, sendo vendido por “uma pechincha” (R$ 5 mil).

Com um pé em Paris e outro em Santo André, Odamar acostumou-se a calcular os preços de suas obras em euros. O mais caro produto de sua criação é formado por dois painéis que custam 32 mil euros. Odamar faz uns cálculos rápidos, tenta atualizar o câmbio do dia e traduz rapidamente o preço em reais: R$ 123 mil. Outra pechincha.

Estratosfera – Mansões no Parque Anchieta por R$ 1,5 milhão, coberturas no Centro de São Bernardo por R$ 1 milhão. O mercado de imóveis da região também ostenta preços estratosféricos. Mas quem compra um apartamento de R$ 1 milhão certamente precisa colocar algo luxuoso na garagem. Além do carrão de luxo, que tal incluir uma bicicleta da cobiçada marca norte-americana Scott? Ou uma motocicleta Suzuki GSX 1.300 cilindradas?

Na Ciclo Vaccari, a bicicleta Scott sai na faixa de R$ 3 mil. A revenda Suzuki da avenida Caminho do Mar vende uma GSX 1.300 a cada seis meses. Elas custam R$ 62 mil e deixam qualquer motociclista salivando. O motor de 4 tempos tem seis marchas e é acionado por ignição eletrônica digital. Possui 175 HP e chega com facilidade aos 312 km/h. Quem já andou nessa velocidade certamente quis ter um encontro pessoal com São Pedro.

Quem imaginava o Grande ABC como um território habitado por sindicalistas barbudos e rústicos pode ir pensando em outra imagem. A região certamente não é um Principado de Mônaco, mas que tem seus magnatas, isso tem.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;