Cultura & Lazer Titulo
Luís Melo cria núcleo de pesquisa teatral em Curitiba
Do Diário do Grande ABC
21/03/2000 | 16:53
Compartilhar notícia


Um espectador muito especial vem chamando atençao na platéia de vários espetáculos do 9.º Festival de Teatro de Curitiba: o ator Luís Melo. O fato de ele ser curitibano - seus pais ainda moram na cidade - nao deve confundir os desavisados. Ele nao está curtindo umas férias e nem veio somente para acompanhar a programaçao do festival. O motivo é muito mais ambicioso e vem sendo planejado há longo tempo.

"Vou criar um núcleo de pesquisa teatral permanente aqui na cidade", afirma Melo, que concedeu entrevista no Instituto Espaço Cênico, futura sede do núcleo em Curitiba. A idéia é, a médio prazo, criar um companhia permanente nos moldes do grupo mineiro Galpao, do paraibano Piolim ou do francês Théâtre du Soleil, dirigido por Ariane Mnouchkine. "A dimensao vai depender do maior ou menor apoio de patrocinadores, mas nao vou cruzar os braços enquanto espero, já estou trabalhando e mesmo sem nenhum apoio eu vou levar em frente o projeto." Para transformar desejo em realidade, Melo já alugou um apartamento na cidade e recusou convites para dois filmes.

Mas renovou seu contrato com a TV Globo por uma questao de estratégia. "É muito difícil conseguir patrocínio no Brasil para um centro de pesquisa, porque um trabalho desse tipo nao tem comprometimento com a apresentaçao de resultados", diz. "Preciso de um espaço no qual poderei permanecer por no mínimo dez anos e com absoluta liberdade de criaçao."

Melo estará no elenco da nova microssérie dirigida por Guel Arraes, "Caramuru, A Invençao do Brasil', já em fase de ediçao, e ainda integra o elenco da próxima novela das seis, "O Machao", inspirada na peça "A Megera Domada", de Shakespeare."A direçao é do Avancini; ele é um mestre, como Antunes, e temos um namoro de longa data." Bastou falar com o diretor sobre o núcleo em Curitiba para ganhar um aliado. "Serei seu parceiro nisso", disse Avancini a Melo, que terá seus dias de gravaçao concentrados para poder dividir o tempo entre Rio e Curitiba.

Melo mostra com entusiasmo o espaço, uma antiga estufa de bananas, transformada em teatro pela produtora e atriz Nena Inoue. "Queremos manter essa idéia de estufa, estufa de criaçao", diz Melo. Nena arrendou o local há dois anos, onde, além de apresentar os espetáculos da Cia. de Atores, também realizou dois "Balanços Cênicos", reuniao anual de diretores, atores, produtores, patrocinadores e membros da Secretaria de Cultura para avaliar a cena curitibana. "Os problemas sao semelhantes em todo o Brasil", diz a parceira no projeto.

Outro parceiro é o cenógrafo Fernando Marés, colega de Melo no curso de teatro do Teatro Guaíra, que já tem pronto o projeto de reforma do espaço. "Nao queremos um projeto cenográfico limitador", diz Melo. "O objetivo é utilizar o espaço de tal forma que possamos abrir um buraco no chao , se o espetáculo exigir, trabalhar com água e derrubar paredes." Marés será responsável também por uma oficina cenotécnica, parte do projeto. "Queremos quebrar o isolamento entre as áreas de criaçao", afirma Melo. "As experimentaçoes de alguns artistas plásticos, misturando materiais, criando texturas novas, podem ser extremamente enriquecedoras para a atividade teatral", diz, mostrando o tanque que pretende reservar para o tingimento de tecidos.

Por que um ator bem-sucedido como Luís Melo resolve arriscar-se num investimento como esse? "É uma necessidade orgânica, uma busca de felicidade", diz. "Costumo dizer que o Antunes me acostumou mal." Melo trabalhou durante 11 anos como ator do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) do Sesc, dirigido por Antunes Filho, onde entrou em 1985 para integrar o elenco de "A Hora e a Vez de Augusto Matraga" e saiu em 1996, depois da montagem de "Gilgamesh". "Antunes me acostumou ao exercício diário com pessoas disponíveis para errar, cobaias mesmo, dispostas a jogar fora todo o aprendido e começar do zero."

Ele cita a atriz Berta Zemel, que estava afastada do palco há 25 anos e estreou o monólogo "Anjo Duro" na mostra oficial do Festival de Curitiba no domingo, como exemplo do que o recolhimento pode fazer por um artista. "Ela soube se dar um tempo e agora voltou ao palco com essa atuaçao inteligente e deslumbrante", diz. Como Berta, que durante todo esse tempo deu aulas na sua Fábrica Escola de Teatro, ele quer dedicar-se à formaçao de grupos e recarregar a energia vital da criaçao.

Se a idéia de instalar-se em Curitiba, algo que ele pretende fazer a médio prazo, assusta, ela também desperta interesse. "Já tem muita gente torcendo por aqui." Ele está preparando um projeto para captaçao de recursos nas leis de incentivo, mas as primeiras obras, as que podem ser feitas sem patrocinador, começam em abril. E acalenta idéias para os primeiros exercícios no palco.

Entre eles, exercícios sobre contos curtos de Chekhov, que possibilitariam aos atores trabalhar a um só tempo direçao, adaptaçao e atuaçao. "Seria algo semelhante ao "Prêt-à-Porter" do Antunes, um exercício de independência para o ator." Mais adiante, quer desenvolver uma dramaturgia inspirada na relaçao do homem com o cao. "É um tema rico a partir do qual pode-se falar da descoberta do afeto e da solidao humana", diz. "Mas quero falar disso com delicadeza e poesia; tenho sentido falta disso no teatro."




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;