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De madame a plebéia
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
16/11/2006 | 21:14
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São nada menos que quatro os filmes brasileiros que estréiam nesta sexta-feira em São Paulo. Não é pouca coisa e nem uma marca que se conquiste toda semana. Além do documentário Família Alcântara, de Daniel Santiago, há também as ficções Canta Maria (que marca o retorno de Francisco Ramalho Jr. após 20 anos de silêncio autoral) e Vestido de Noiva, nova adaptação do texto rodriguiano. Entre os quatro, o destaque fica mesmo para O Céu de Suely.

E não porque tem belíssima trajetória em festivais, selecionado para os de Veneza e Toronto e premiado no do Rio como melhor filme, direção e atriz. A atenção redobrada que O Céu de Suely demanda é fruto de seu diretor, Karim Aïnouz, artista que estreou com Madame Satã, em 2002.

No primeiro filme oferecia um jogo renovado para usar o audiovisual como instrumentos biográfico. Não tinha obsessões por datas e passagens célebres de seu biografado, no caso o transformista que escandalizou a Lapa 80 anos atrás. Seu recurso biográfico é a pele, é a cor, é a sexualidade de seu retratado. É a adoção do corpo como discurso narrativo, com a câmera praticamente implantada sobre o Madame Satã magistralmente interpretado por Lázaro Ramos.

Figura indelével de uma nova porção do cinema nacional (é também co-roteirista de filmes como Cinema, Aspirinas e Urubus e Cidade Baixa), Aïnouz reverte agora uma tradição narrativa do cinema brasileiro. Em vez do êxodo, sinal de novos tempos, conta uma história de regresso, uma história de espera, uma história que quase não é história.

Hermila (Hermila Guedes, a atriz premiada no último Festival do Rio) volta a Iguatu, cidade minúscula no interior do Ceará, depois de perceber que o plano de fazer a vida em São Paulo, ao lado do marido, não deu certo. É acolhida na casa dividida pela tia e pela mãe, com um filho pequeno para criar e à espera do marido.

É um panorama da mulher, do local do feminino em um mundo no qual tudo parece transitório. À medida que cai em si, e nota que o marido não deve a cumprir a promessa de voltar, envolve-se com um ex-namorado (João Miguel, de Cinema, Aspirinas e Urubus). Ainda assim, não reconhece como seu os ciclos de sua cidade natal, de sua rotina de acordar e dormir ninada pelos roncos de motores de caminhões que cortam a estrada e por paisagens nas quais céu e terra não parecem ter outra fronteira que não seja a coloração.

Aïnouz aborda a mulher que tem como profissão a espera pelo marido, a dependência das decisões de quem a provém. Mas é partidário da transformação, de mostrar que há possibilidade de fuga de um destino essencialmente social para uma vida genuinamente feminina. Hermila, decidida a abandonar de novo a aridez, altera seu nome para Suely. É apenas o primeiro ato de um plano de fuga.

Existem nuances e surpresas em O Céu de Suely, completamente dedicado a sua plebéia, a sua Suely, a sua Hermila Guedes, que estréia no cinema com o filme de Aïnouz. Diretor e atriz que cooperam na renovação formal do cinema brasileiro.

O CÉU DE SUELY (Brasil, 2006). Dir.: Karim Aïnouz. Com Hermila Guedes, Maria Menezes, Georgina Castro, João Miguel, Zezita Matos. Estréia nesta sexta-feira no Espaço Unibanco 3, Reserva Cultural 3, Unibanco Arteplex 6 e circuito. Classificação etária: 16 anos.




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