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Uma pequena cidade chamada Inamar
Camila Brunelli
Do Diário do Grande ABC
07/03/2011 | 07:29
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Claudinei Plaza/DGABC


Não tem bairro melhor", opinou o aposentado Rafael Basílio de Araújo, 73 anos, morador do Jardim Inamar, em Diadema, há mais de década. "Tem tudo perto, de mercado a lojas de roupas."

Seu Rafael conhece todo mundo, porque gosta de ficar encostado na rua, olhando o movimento. "Também fico pelos botecos, né? Mas a partir de hoje, não fumo nem bebo mais", disse, de novo, o ex-funcionário público municipal.

Como outros bairros em Diadema, o Jardim Inamar é marcado pela presença de migrantes nordestinos. A região, que já mudou de nome ao longo dos anos e tem histórico de violência, é também lembrada por seu comércio popular, quase sempre cheio.

Maria das Dores Ferreira, a Dorinha, 36, é dona de loja de roupas na Avenida Antonio Sylvio Cunha Bueno, centro comercial do bairro. Montou o negócio quando ainda era solteira e conquistou a clientela de mansinho. Tem gente que vem do Interior e a faz abrir a loja de domingo.

"Minhas clientes são fiéis, tem muita roupa que eu já compro pensando em uma ou outra pessoa que gosta de vir aqui", garantiu Dorinha.

LIDERANÇA
Valter Bezerra Lima, 55, está na região há 31 anos. Quando chegou em Diadema, a Rua Caviúna ainda pertencia ao bairro paulistano de Sapopemba. Não havia como chegar de carro. "Tinha uma trilhazinha, que só dava para passar de bicicleta ou a pé", contou. "Eu e mais alguns moradores abrimos essa rua na enxada, até a avenida." E assim como muitas outras que ele ajudou a abrir com suas mãos, em meados de 1980, nasceu a Rua Nova Caviúna, continuação da chamada Caviúna Velha.

Lima, que nasceu no Maranhão, é conhecido porque presidiu o núcleo habitacional da Caviúna, liderando a urbanização da região. Ele contou que, até pouco tempo, ajudava na construção de escadarias e no asfaltamento. "Quando chovia, a lama vinha na canela."

O líder comunitário disse que nunca foi vítima da violência que marcou o bairro até meados da década de 1990, quando até um bando de justiceiros havia - a família era de Pernambuco e acabou morta em confrontos com a polícia e com bandidos.

Ainda assim, o Inamar é o bairro que ele escolheu para morar, onde construiu sua grande família e de onde não pretende sair tão cedo

O transporte municipal de Santo André oferece integração gratuita apenas para usuários do cartão estudante - distribuído a alunos, professores e funcionários de instituições de ensino. Não há previsão de expansão do programa. Segundo a Prefeitura, 15.800 viagens são feitas mensalmente com o bilhete eletrônico sem custo extra.

Em Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não há sistemas de integração entre as linhas municipais.

O bairro já pertenceu à Grande Alvarenga

Ao longo da história, a área do Jardim Inamar teve várias denominações, até ser loteada em 1966. Em passado mais remoto o espaço pertenceu ao bairro do Alvarenga, este já citado no século 18 nos mapas da Borda do Campo, quando se estendia por partes distantes de Santo Amaro (São Paulo), São Bernardo e o atual município de Diadema, no vale do Rio Grande, hoje represado na formação do sistema Billings/Guarapiranga.

No espaço loteado, o Jardim Inamar foi chamado de Sítio Mato de Dentro. Nos tempos rurais era cortado pela Estrada do Chinelo (atual Avenida Nossa Senhora dos Navegantes); Estrada da Variante (atual Avenida Antonio Sylvio Cunha Bueno); Estrada das Voltas, Estrada do Café Bravo; Estrada Velha da Porteira.

Do espaço antigo do Inamar extraiu-se madeira de lei para o fabrico de móveis na sede da Fazenda São Bernardo, pertencente aos monges beneditinos. Ainda havia madeira boa quando São Bernardo principiou sua indústria moveleira, nas primeiras décadas do século passado.

Hoje, o Jardim Inamar empresta o nome também ao seu entorno, onde foi iniciada a urbanização quando da abertura do primeiro loteamento, o Jardim União, de 1954, que fica perto do Jardim Ruyce.

Já o Inamar em si foi aberto por Yolanda Bertini numa área de 215 mil metros quadrados. A ideia era dar continuidade às ruas dos vizinhos jardins União e Yambere. Em 1968, dois anos depois de loteado, o Jardim Inamar passou à administração de Mario Ramos de Freitas, que subdividiu os 355 lotes iniciais em 685 lotes.

Fizemos reportagens no Inamar em várias oportunidades. Em 1974 constatamos que o loteamento era ocupado por muitos barracos, com problemas de falta d'água e segurança. Em 1978 as dificuldades ampliavam-se. A luta da Sociedade Amigos do Jardim Inamar era intensa. Descobrimos que os primeiros barracos foram erguidos por famílias desalojadas da favela do Vergueiro, em São Paulo.

A SAB foi fundada em junho de 1975. Um documento de 1977, assinado pelo seu presidente, José Luiz da Silva, pelo vice Ataíde Munhoz e pelo 1° secretário, Francisco Assis Barbosa, reivindicava a colocação de placas que orientassem sobre a não construção de barracos. Eram 16 barracos e construíam-se mais.

A regularização definitiva do Inamar ocorre em 1990. Os proprietários eram chamados pela Prefeitura para retirar, finalmente, as suas escrituras. (Ademir Medici) 

Nasceu Roberto, mas virou Nicole: destaque no samba 

"Pode perguntar por Nicole ou Roberto que desfila na escola de samba, que todo mundo sabe quem é." Roberto Cláudio Ferreira na documentação é Nicole no rosto e na fantasia. Aos 18 anos, Roberto é há dois também Nicole, destaque da Mocidade Independente do Jardim Inamar. Vestida com uma roupa minúscula, ela e sua amiga Raissa Joyce levantam a arquibancada.

"Acho que é pelo fato de eu ser gay e estar "montada" (gíria para designar fantasia pesada) de mulher - e praticamente nua. E também porque eu agito, mesmo."

Há dois anos, ela faz show. Nicole garante que não se prostitui, até porque tem um namorado, também morador do bairro. "Ninguém pega no pé dele. No Inamar ninguém me tira."

Homossexual assumido desde os 14 anos, nunca teve problemas com os pais, porque são liberais. As brincadeiras de homens imaturos e preconceituosos não a ofendem. "Minha melhor resposta é o silêncio."

Raimundo, o promotor de excursões que quer abrir empresa 

Uma placa amarela com estados do Norte e Nordeste brasileiros escritos em vermelho - e, diga-se de passagem, com muitas letras faltando. Em cima, as maiores letras indicavam que alguém ali organizava viagens: "Raimundo Turismo".

Ao contrário do que diz a placa na frente do pequeno portão, o lugar mais longe que Raimundo José Elias, o Raimundo Diadema, já esteve desde que chegou do Maranhão não é tão distante assim, Campos do Jordão.

Aos 58 anos, Raimundo Diadema não vive exclusivamente das excursões que promove, até porque são poucas. Para Campos do Jordão, mesmo, é só uma vez por ano que consegue lotar um ônibus com destino à cidade serrana de São Paulo: em novembro, no auge do verão.

Mesmo sendo conhecida por ter alta temporada de turismo no inverno, Raimundo Diadema nunca conseguiu lotar um ônibus em nenhum dos meses mais gelados do ano. "Eu cansei de convidar, mas o povo acha que eu sou louco de querer ir pra lá naquele frio."

Simpático e de sorriso fácil, ele confessou que tem um desejo, mas que não consegue realizar porque acha que não tem conhecimento suficiente. "Meu sonho é abrir uma agência de turismo, mas precisaria ter mais estudo. Já fui atrás para saber", contou. "Com a empresa aberta, eu poderia vender passagens de avião, até para fora do País", vislumbrou.




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