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Fernando Deghi lança guia da viola brasileira
Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
14/04/2002 | 16:40
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Se depender do andreense Fernando Deghi, a viola deixará a tranqüilidade da roça e ganhará outros mundos. O guia para empreender essa viagem é Viola Brasileira e Suas Possilidades – Álbum de Músicas – Vol. 1 (Violeiro Andante, 159 págs., R$ 29), que Deghi lança por editora própria e que será uma das novidades no estande da Vitale, na 17ªBienal Internacional do Livro, de 25 de abril a 5 de maio.

A obra, bilíngüe (português/espanhol) foi lançada na Fnac de São Paulo, na semana passada, e segundo o autor, irá para Portugal e Espanha por meio de amigos.

O objetivo de Deghi é, como sugere o título, abrir novas possibilidades aos violeiros. “Apresento alternativas musicais neste livro, utilizando a viola em músicas com influência barroca, flamenca e até de choro”, afirma o andreense.

O livro é uma extensão de seu primeiro CD, Violeiro Andante, lançado de forma independente. Além de conter um exemplar do disco, a obra traz todas as partituras e tablaturas das composições de Deghi. E tem algumas informações referentes ao misterioso universo da viola e dos violeiros (pode ser encomendada pelos telefones 4354-0081 e 4354-9762).

“Poderia ter lançado primeiro um método de viola, mas achei melhor fornecer material para quem já estuda o instrumento. Por falta de livros desse tipo, hoje ainda é preciso você sair à caça de violeiros para aprender novos toques”, afirma Deghi.

Viola não é coisa simples. Para quem não sabe, a diferença desse instrumento para o violão é que, enquanto o último tem seis cordas e uma afinação padrão, a viola tem dez cordas (cinco pares) e inúmeras afinações. “Cada caboclo inventa uma diferente”, afirma Deghi.

Oficialmente, são conhecidas e catalogadas mais de 30 afinações (entre violas brasileiras e portuguesas). Deghi utiliza cinco neste livro, sendo uma delas, bandola (presente em Sertão do Canto), criação própria. Fora isso, a viola tem corpo menor que o do violão.

Mistérios – Para ser violeiro, no entanto, não basta apenas conhecer o instrumento. Violeiro que se preza tem de ser “iniciado” nos mistérios que envolvem o ofício. Assim como o personagem Cramulhão, vivido por Almir Sater na novela Pantanal, na extinta Rede Manchete, em 1990.

“O Sater fazia uma figura mística, que tinha pacto com o capeta, e na novela sua viola tocava sozinha. Esse personagem foi o que mais nos ajudou, porque Pantanal mostrava a força instrumental da viola”, afirma Deghi.

O que foi levado ao vídeo é realidade no interior do Brasil. Entre os músicos, circula a lenda de que, para ser bom violeiro, é preciso pegar uma cobra coral com o polegar e o indicador, e depois deixar que ela transpasse por todos vãos dos dedos das mãos – à exceção do vão entre polegar e indicador da mão direita. “Se ela não picar, você vira violeiro. Se picar, você morre (risos)”.

Pacto com o Tinhoso também é artimanha comum. “Numa sexta-feira 13 você vai a uma encruzilhada e chama pelo Tinhoso. Daí, aparecem os bodes e galinhas pretas, o vento começa a zunir e ele surge. Com o pacto feito, você vive certo tempo usando esse dom de violeiro. E, quando morre, vai pro inferno!”, diz Deghi.

O andreense diz que é católico e não faz pacto nenhum. Mas também não deixa de colocar um guizo de cobra no bojo da viola para afastar mau olhado de outros violeiros. “Claro que uso o guizo, todo mundo põe! (risos)”.

Deghi segue como ninguém a cartilha do “violeiro way of life”. Atualmente, mora em uma casa no Riacho Grande, em São Bernardo (cidade que ele “ama, por ter sido sempre bem acolhido”), e trabalha em uma chácara nas proximidades de sua residência.

“Minha vida é aqui”, diz o violeiro, levantando o olhar para as árvores e os pássaros. Ele garante que 99% de suas composições nascem nesse ambiente rural de paz. E adora uma frutinha colhida do pé e a comidinha caseira feita no fogão a lenha.

Deghi só gosta de sair para levar o som da viola para todos os cantos possíveis do mundo. Aposta todas as fichas em um dia ver assegurada a cultura caipira desse Brasil, cuja juventude ainda se apega aos cinturões e chapéus dos cowboys norte-americanos. “Ser violeiro é um estilo de vida”, afirma. Mais que isso, é ser Brasil.




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