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Davi queria ter muitos filhos, lembram os pais
André Vieira
Do Diário do Grande ABC
28/09/2011 | 07:30
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O jovem Davi Mota Nogueira, 10 anos, disse na última conversa que teve com os pais que gostaria de ter uma família numerosa, com muitos filhos. Voltando para casa depois de visitar parentes, na quarta-feira à noite, o pequeno questionou por que o pai fez vasectomia. Menos de 24 horas depois, porém, o garoto calmo atirou na professora em sala de aula e se matou, disparando contra a cabeça, dentro de escola em São Caetano, há seis dias.

Em entrevista exclusiva ao Diário, o pai, Milton Evangelista Nogueira, 42, e a mãe, Elenice da Silva Mota Nogueira, 42, disseram que nunca identificaram nada que sugerisse que a criança obediente e estudiosa, sem problemas na escola, pudesse um dia pegar o revólver do pai, ferir alguém e depois tirar a própria vida.

Na quarta-feira, Elenice pegou o filho após a aula, por volta das 17h15, e foi para casa. O menino tomou banho, trocou o jantar por um lanche e pediu para acompanhar a mãe, que precisava ir até a casa do primo se despedir da tia que veio de Minas Gerais, e já estava com malas prontas.

"O Davi foi comigo porque ele também queria ver um priminho. Nós ficamos por lá conversando e ele saiu com meu primo para ir pegar o menino na academia. Depois eles ficaram brincando", contou Elenice. Nogueira, então, foi buscar a mulher e o filho.

"Na volta para casa, o Davi estava conversando e fazendo planos", disse a mãe. Com a sinceridade rápida de uma criança, perguntou ao pai por que ele havia feito "a cirurgia para não ter mais filhos".

Quando Nogueira respondeu que estava contente com o tamanho da família, o menino emendou, segundo a mãe: "Ele disse: ‘pois quando eu crescer não vou querer operar, não, vou querer ter bastante filhos'. Foi assim a conversa."

Na mesma noite, o garoto e o irmão, 16, que não costumam dormir tarde, convenceram os pais a ficarem acordados mais um pouco para assistirem futebol pela televisão.

Segundo a mãe, o menino, que torce pelo Santos, estava cada vez mais ligado no esporte, colecionando álbum de figurinhas do Campeonato Brasileiro, e se interessando por bateria, que tocava na igreja.

Religião é assunto de todos na casa dos Nogueira. Às terças, a família se reúne com outras pessoas para estudar a Bíblia. Na última reunião que participou, Davi pediu a palavra. "Ele pediu para todo mundo rezar pelos enfermos dos hospitais, dizendo que ele mesmo não conhecia muitos, mas Deus sabia da necessidade destas pessoas", lembrou o pai. 

EXPLICAÇÃO
Para os pais, nem toda investigação ou debate será suficiente para entender o que se passou com Davi. "Estamos surpresos, não nos conformamos. O que a gente sabe é que ele não deixou resposta para o homem aqui na Terra. Ele levou com ele e não vai ter especialista ou investigação policial que vai saber o que aconteceu, ninguém", disse Nogueira.

Enquanto tem a companhia de parentes em casa, Elenice sabe que está mais forte. "Minha irmã vai embora hoje (ontem). Daqui a alguns dias minha mãe vai ter que ir também. A gente vai sentir quando a casa ficar mais vazia, mas a vida tem de continuar e uma hora isso vai passar. Não podemos parar. Só Deus sabe, mas temos de continuar vivendo."

A família não pretende sair de São Caetano. Nogueira não vai deixar a Guarda Civil nem o filho mais velho quer sair da escola - mesma onde o irmão morreu. Elenice, que trabalha como babá, ainda não sabe se volta. "Cuido de uma criança de 1 ano e 8 meses, e toda a hora que for brincar com ela, acho que vou lembrar do meu filho."

 

Guarda-civil não pretende se desfazer do revólver calibre 38 

O guarda-civil Nogueira disse ontem que não irá se desfazer e continuará guardando em casa o revólver calibre 38 com que o filho mais novo se matou depois de atirar na professora Rosileide Queiros de Oliveira, 38, na Escola Municipal Professora Alcina Dantas Feijão, na quinta-feira.

Nogueira tem a arma há 20 anos - mesmo período em que está casado com Elenice e quatro anos antes de o filho mais velho nascer - e utiliza o revólver em trabalhos extras, que faz como segurança.

Ele disse ter tirado a curiosidade dos filhos mostrando o objeto. "Ensinei que arma foi feita para matar, não tem outra utilidade. Eles nunca mexeram no revólver, que sempre ficou no mesmo lugar (na parte de cima de um guarda-roupa)."

Para o mesmo lugar o revólver vai voltar depois que for devolvido pela polícia. "Tenho porte, sempre fui legalizado. A arma não é culpada. Vou pegá-la, é propriedade minha, e vou continuar com ela."

Quinta-feira, quando deu falta da arma em casa, Nogueira voltou à escola e perguntou aos filhos, que disseram não ter mexido. O pai disse que os meninos nunca haviam mentido, e que ele não tinha motivo para desconfiar. Mas Davi estava com o revólver.

Nogueira, que presta depoimento hoje, poderá ser indiciado por homicídio culposo (sem intenção de matar), se ficar provado que guardava a arma de forma negligente ou imprudente. O guarda-civil disse estar à disposição da polícia.

"Não estou preocupado, agora, com a Justiça do homem. Não tem punição que possa ser maior do que a minha. Em outra situação, se me sentisse culpado, não precisaria que me condenassem, eu condenaria a mim mesmo. Podem ouvir as testemunhas, as crianças, que vão dizer o que aconteceu. Para mim, toda resposta ainda será um ponto de interrogação."

 

Pais e irmão do menino prestam depoimento hoje 

A delegada responsável pela investigação da morte do estudante, Lucy Mastellini, alterou a data dos depoimentos dos pais e do irmão da criança para hoje, a partir das 10h, no 3º Distrito Policial de São Caetano. Inicialmente eles seriam ouvidos na sexta-feira.

Já os depoimentos de cinco alunos da Escola Municipal Alcina Dantas Feijão foram adiados de hoje à tarde para segunda-feira, às 10h. A alteração foi feita após recomendação de psicólogos à escola. "A diretora entrou em contato e disse que seria melhor que não fossem ouvidas na escola nem no dia do retorno às aulas", disse Lucy. Os depoimentos serão prestados na Unidade de Saúde da Criança e do Adolescente Amabili Moretto Furlan, localizada à Rua Goitacazes, 301, no Centro.

Em relação à professora baleada, Rosileide Queiros de Oliveira, 38 anos, apesar da realização de uma nova cirurgia no joelho esquerdo prevista para hoje, o depoimento continua marcado para amanhã, às 10h, no Hospital das Clínicas, na Capital, onde segue internada, fora de perigo, sem previsão de alta. Na sexta-feira, há possibilidade de que alguns policiais que participaram da ocorrência sejam ouvidos pela delegada do caso. 

HOMENAGEM
Colegas de Davi farão uma homenagem ao estudante hoje, no retorno às aulas, denominado de Retorno de Paz. Os alunos deverão vestir camiseta branca e levar bexigas e rosas da mesma cor. (Maíra Sanches)




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