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Armar a populaçao aumenta violência, diz especialista
Sérgio Saraiva
Da Redaçao
08/07/2000 | 16:34
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   Integrante do Instituto Sao Paulo Contra a Violência e pesquisador sênior do Centro de Estudos da Violência da USP, o sociólogo Paulo de Mesquita Neto, 38 anos, acredita que a diminuiçao da violência no país passa por três transformaçoes essenciais: mudanças fundamentais nas polícias, muito permeáveis ao crime organizado e sem cultura de defesa dos cidadaos; Justiça mais rápida e acessível; e organizaçao da sociedade civil. Melhores resultados, segundo o sociólogo, serao alcançados com a participaçao da populaçao por meio de associaçoes e centros comunitários mediando pequenos conflitos locais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

DIARIO - O que pode ser feito para baixar o atual nível de criminalidade e violência?
PAULO DE MESQUITA NETO - Uma polícia eficaz na prevençao e na repressao; acesso fácil e rápido à Justiça e uma sociedade civil organizada em associaçoes setoriais ou comunitárias capazes de mediar pequenos conflitos em cada bairro de cada município. A violência recrudesceu nos anos 80, crescendo sempre. É um processo longo. Mesmo assim, pegou todo mundo desprevenido, particularmente as polícias.

DIARIO - Por que a demora das autoridades em dar uma resposta ao problema?
NETO - Em primeiro lugar, o rápido crescimento da violência deixou nao só a polícia, mas os governantes e a sociedade incapazes de dar uma resposta. Por outro lado, a cultura das nossas polícias é manter uma determinada ordem e um certo tipo de controle social sobre os cidadaos. Historicamente, ela nao está acostumada a defender o cidadao contra a criminalidade. Por isso, o aparelho policial deve ser reformado, começando por torná-lo menos permeável ao crime organizado, indutor de violência e corrupçao. Deve-se investir no policiamento preventivo. Só assim vai ganhar mais respeito e credibilidade da populaçao.

DIARIO - Como a Justiça pode ser mais ágil?
NETO - Há experiências nesse sentido. Na capital, funcionam três Centros Integrados de Cidadania criados pelo governo estadual. Lá, a populaçao de periferia encontra, num mesmo local, postos das duas polícias, juiz, assistentes sociais e integrantes do Ministério Público, além da possibilidade de tirar documentos. Essa experiência pode ser reproduzida por iniciativa dos municípios em atuaçao conjunta com o Estado. A tendência é que as pequenas pendências sejam resolvidas rapidamente, antes de virar conflitos mais graves. Isso, de certa forma, funciona com bons resultados em outras países.

DIARIO - A crise social e o desemprego favorecem a violência?
NETO - A ineficácia da polícia, o acesso difícil à Justiça, a desestruturaçao das comunidades certamente sao agravadas pela crise econômica e social. Por outro lado, há outro fenômeno que tem de ser observado: quanto mais rica a sociedade, mais ocorrem determinados crimes, como roubos de carro, por exemplo. É interessante observar também que, mesmo assim, cada vez mais as pessoas estao deixando de lado a postura repressora de deixar o crime ocorrer para sair atrás do bandido. As pessoas, pelo contrário, estao exigindo soluçoes preventivas.

DIARIO - O que os municípios podem fazer para aumentar a segurança dos cidadaos?
NETO - O município é muito importante, mesmo sem guarda municipal. Ele pode fornecer serviços, além de iluminaçao pública e saneamento, para melhorar a qualidade de vida e as relaçoes de convivência das populaçoes, com equipamentos de lazer e esportes, assim como espaços para encontros das comunidades. As escolas, normalmente ociosas nos fins de semana e durante a noite, podem ser colocadas à disposiçao dos moradores. A revitalizaçao dos espaços públicos é fundamental para isso. Tudo isso ajuda a reduzir a violência.

DIARIO - Muitas pessoas acreditam que é a hora de usar as Forças Armadas contra o crime. Isso pode funcionar?
NETO - De forma alguma. Em nenhuma democracia do mundo se faz isso. Enfrentar a criminalidade nao é uma questao de combate, de guerra, aos criminosos. Essa é uma irracionalidade induzida pelos meios de comunicaçao e por alguns políticos. As próprias pesquisas induzem a esse tipo de atitude. Essa nao é a forma de enfrentar o problema. Onde foram realizadas experiências bem sucedidas de reduçao de criminalidade, como em algumas cidades dos Estados Unidos, até agora ainda se discute quem foi o responsável pelo resultado. Teria sido uma melhor atuaçao da polícia, a diminuiçao do desemprego ou o crescimento econômico? Ou talvez uma questao demográfica: as populaçoes envelheceram, diminuindo o peso dos jovens, faixa etária mais envolvida com atos de violência. Provavelmente, foi o conjunto de questoes.

DIARIO - Pedir intervençao militar nao é o mesmo que exigir mais efetivo, viaturas e armas mais potentes? Isso é necessário?
NETO - Nao necessariamente. Temos um efetivo considerável - cerca de 120 mil homens na duas polícias - no Estado de Sao Paulo. Mas talvez ele esteja concentrado onde nao tem crime. Essa é a discussao: o que os policiais estao fazendo e onde? E quem está cobrando resultados? Provavelmente, se poderia fazer muito mais pela segurança pública usando esses recursos de maneira mais inteligente e mais transparente.

DIARIO - Há quem defenda armar a populaçao. Isso é soluçao?
NETO - Nao. As armas sao um fator de risco que aumentam as chances de violência. E esse risco é maior ainda quando as armas em circulaçao sao ilegais. Essa questao do comércio ilegal precisa ser enfrentada. A postura atual do Brasil, restringindo o uso de armas, é estratégica para terminar com a promiscuidade dos mercados legal e ilegal. Se o desarmamento vai favorecer os bandidos ou nao, depende da capacidade de governo e da sociedade em controlar esse comércio. DIARIO - Muitos defendem prisao perpétua ou pena de morte. Isso faz sentido?

NETO - Nao. O que precisamos, em primeiro lugar, é aplicar as leis que já temos de uma forma competente e eficaz. Isso passa pelo bom funcionamento da polícia e da Justiça. E passa também por punir com prisao quem precisa, sem tortura, execuçao ou linchamento. E deixar de punir de forma dura as pessoas que nao têm de ser punidas assim. Temos de lembrar que a prisao nao é a única forma de puniçao. Deveriam ser mais usadas as outras formas de responsabilizaçao, como multas e prestaçoes de serviços. Ampliando o leque de puniçoes, se aumenta a capacidade de punir de forma rápida e eficiente.




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