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Presidente da VW: 'sindicato descumpre acordos'
Célio Franco
Do Diário do Grande ABC
10/11/2001 | 20:41
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   O presidente da Volkswagen do Brasil, Herbert Demel, passou uma semana tensa por causa das complicadas negociações com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Como bom jogador de xadrez, deu um duro golpe no presidente do sindicato, Luiz Marinho, ao anunciar a demissão de 3 mil funcionários da Anchieta.

Depois de se negar a continuar conversando e prometer uma greve para segunda, Marinho teve de recuar e voltar à mesa de negociações neste sábado. Embora tenha tomado essa atitude drástica, o austríaco e aparentemente frio Demel deixou escapar a emoção várias vezes ao falar das possíveis demissões durante a entrevista que deu com exclusividade ao Diário.

DIÁRIO – O sr. está com a consciência tranqüila pelo fato de ser obrigado a demitir milhares de trabalhadores até o fim da reestruturação total da unidade Anchieta?
DEMEL – Estou dormindo com a consciência tranqüila porque a VW abriu um processo de negociações transparente. O problema maior da unidade Anchieta é a questão da produtividade, e não o salário de um ou de outro ou a massa salarial. E, sem querer, eu preciso agir como estou fazendo, porque se não coloco em risco aqueles que podem permanecer trabalhando na fábrica depois da reestruturação. Nós não podemos continuar vivendo na maior fábrica do Brasil, com o maior volume de empregos e os maiores salários e benefícios sociais entre as montadoras do país. Tudo isso sem banco de horas e flexibilidade de jornada e salários, em um ambiente de queda de vendas e um mercado muito mais competitivo.

DIÁRIO – Caso o sr. fosse um trabalhador demitido, depois de ter ajudado a construir durante anos uma marca com a força da VW no Brasil, como se sentiria?
DEMEL – Eu me sentiria triste e surpreendido e tentaria reverter essa situação, com muitas dúvidas se seria possível, porque é fácil prometer aos trabalhadores que demissões não são necessárias, mas isso seria uma leviandade. O problema é que há trabalhadores pensando que é vantagem abrir mão de 3 mil empregos para manter seus benefícios. Esses trabalhadores preferem ver a casa do outro pegando fogo. E há os que preferem abrir mão agora de algumas vantagens para manter empregos. Eu preciso trabalhar para os clientes, sem esquecer a responsabilidade social para com os empregados.

DIÁRIO – Por que se chegou a um ponto de ruptura na negociação salarial entre a VW e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC? Quem radicalizou as negociações?
DEMEL – Já estamos negociando há um ano e meio e, de uma hora para outra, todos os acordos foram sendo descumpridos pelo sindicato.

DIÁRIO – O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho, está sofrendo na base forte oposição do sindicalista Melão Monteiro, que pertence a uma ala mais à esquerda dentro do PT. O sr. acha que isso o levou a radicalizar a negociação?
DEMEL – Quando há brigas, todo mundo perde: os próprios trabalhadores, a empresa e a sociedade como um todo.

DIÁRIO – O sr. se arrepende de ter insistido em investir na unidade Anchieta?
DEMEL – Eu ainda acredito que vamos conseguir realizar esse sonho. Quando decidimos esses investimentos, partimos de um mercado muito maior que o de hoje. Mas não me arrependo dessa decisão, porque a unidade Anchieta é o símbolo da VW no Brasil. E é preciso preservar símbolos.

DIÁRIO – O sr. participaria pessoalmente de uma negociação com prefeituras, governo do Estado, sindicatos e a sociedade civil organizada para discutir saídas menos traumáticas para essa transformação econômica da região, especialmente no âmbito das montadoras?
DEMEL – O Grande ABC tem um desemprego altíssimo e precisa discutir saídas. Hoje eu participaria, para iniciar esse diálogo. Mas só participaria de um processo desse tipo se percebesse que haveria progressos concretos.

DIÁRIO – O sr. participou do processo de reestruturação da VW na África do Sul, onde houve um pacto entre indústrias, governo e sindicatos para permitir a transferência dos trabalhadores de empresas que implementaram inovações tecnológicas – e, portanto, aumentaram a produtividade e diminuíram a necessidade de funcionários – e setores que demandam mão-de-obra intensiva, como turismo e construção civil.
DEMEL – Sempre funciona se as três partes querem realmente negociar. Mas por que os sindicatos do Grande ABC permitiram que cerca de 17% da população economicamente ativa da região ficasse desempregada? Precisamos de reformas sistêmicas no Grande ABC.

DIÁRIO – Vai ter clima para o sr. administrar essa fábrica com menos 6 mil trabalhadores?
DEMEL – Eu não quero demitir esses 3 mil funcionários nem quero demitir mais no futuro, mas preciso de ferramentas como flexibilidade, aposentadorias, para tornar a fábrica mais competitiva.

DIÁRIO – O seu antecessor no cargo de presidente, Pierre-Alain de Smedt, era um homem de finanças. O sr. é um engenheiro e está fazendo uma revolução na unidade Anchieta. Com a sua saída do Brasil, para ocupar um cargo na VW alemã, virá novamente um presidente da área de finanças, para recuperar a rentabilidade?
DEMEL – A minha anunciada saída foi apenas um ruído da imprensa. Estou sentindo a necessidade de ficar até o primeiro Polo sair da linha de produção. Eu plantei a semente e preciso ver o bebê nascer.

DIÁRIO – Com a queda de venda do Golf devido à crise nos EUA, há possibilidade de fechamento da unidade de Curitiba?
DEMEL – Nós vamos manter o mesmo volume de exportações do Golf. E se eu precisasse esvaziar uma fábrica e encher outra eu faria isso na unidade de Curitiba, pois ela tem custos muito mais competitivos.

DIÁRIO – O pessoal da unidade da VW da Alemanha trabalharia pelos salários que o sr. paga na fábrica da Anchieta?
DEMEL – O pessoal da Alemanha vive num mundo em que o custo de vida é muito maior. O nível salarial da fábrica Anchieta está mais para o salário da Espanha. E em Curitiba o salário está menos da metade disso.




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