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Rede negocia aluguéis na Vila Paranapiacaba
José Carlos Pegorim
Da Redaçao
19/08/2000 | 17:55
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Acostumados à relaçao paternalista com a Rede Ferroviária Federal, dona ainda da gleba e de tudo o que foi edificado na parte baixa de Paranapiacaba, os moradores da Vila enfrentam pela primeira vez um acerto de contas geral com a locadora das suas casinhas de pinho-de-riga. A Rede quer aluguéis atrasados, chama para conversar e restabelece o preço dos contratos, de olho nas dívidas que tem a pagar no seu próprio processo de liquidaçao.

A empresa está enviando cartas para os moradores, convocando-os para negociar débitos no escritório em Sao Paulo, na centenária Estaçao da Luz. Perto da metade dos moradores da Vila está sendo chamada, informou, sem precisao, a assessoria de imprensa da Rede. "Todo mundo", dizem moradores assustados com os boatos de um despejo maciço. Sem fundamento, afirmou a assessoria de imprensa, que garantiu nao haver nenhum processo para desalojar moradores em andamento.

A convocatória se espalha de Santos a Jundiaí, passando por Paranapiacaba e pelas cidades da regiao cortadas pelo que já foram seus trilhos. Assustou, e muito. Na semana passada, uma advogada do Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental) esteve três vezes na Vila para orientá-los, a pedido do Comugesam (Conselho Municipal de Saneamento Ambiental). Na semana anterior, um ônibus de moradores foi à reuniao do conselho para ouvir uma exposiçao sobre o plano de desenvolvimento sustentável feito por pesquisadores do Lume (Laboratório de Urbanismo da Metrópole), ligado à USP (Universidade de Sao Paulo), para a Prefeitura. E aproveitaram para expor seus problemas novíssimos.

Paranapiacaba, que floresceu como vila operária até os anos 70, à época em que o funicular ainda descia a serra, vive hoje, enfim, a difícil transiçao para se tornar uma cidade de verdade, com os conflitos inerentes a elas.

O conflito imobiliário nao envolve mais funcionários que ficavam nas residências e saíam quando se aposentavam ou eram transferidos, dando lugar a outros, também operários, mas numa empresa produtiva. Envolve ex-ferroviários, filhos de ferroviários e suas famílias, e moradores que nada têm a ver com esse mundo - gente pobre que buscou a Vila como opçao de moradia -, que entraram nas casas pelo favor de uns. E para que nao fossem invadidas, como se tornou comum a partir de 1996, ano em que a Rede foi privatizada, fato impensável ao tempo em que a Rede era ainda uma ferrovia.

"Negócio de pai para filho", diz o chefe do escritório da empresa em Sao Paulo, Ayrton Franco Santiago, um ferroviário da antiga. Nem tanto, diz parte dos moradores, que viram em quatro anos os aluguéis subirem da casa dos R$ 30 para quase R$ 200. Sem que nada, nesse meio tempo, surgisse para justificar os aumentos, a nao ser que a Rede quase já nao existe, ou melhor, existe enquanto dívida (previdenciária, em boa medida).

A Rede, por seu turno, sem pessoal, viu-se sem recurso algum para manter conservado o patrimônio histórico tombado em 1987, tal como é sua obrigaçao. Em quatro anos, as casas apenas envelheceram mais.

"A gente depende de pagar o trem e o ônibus", disse o ex-agente de trem Carlos Roberto Paschoal, 50 anos, hoje desempregado. Seu último aluguel como funcionário da estatal, em 1996, foi de R$ 34 (3% do ordenado, contou). Hoje, o aluguel é de R$ 194. Inadimplente há três anos, deve R$ 7,5 mil.

Líder comunitária da Vila, a comerciante Zilda Bergamini defende a Rede: "O pessoal tem de saber avaliar o espaço que tem, porque lá fora está mais difícil ainda". Zilda afirmou ter intermediado a vinda de "metade" dos novos moradores. A Vila, sacudida pelo diz-que-diz, procura ainda o eixo da sua maioridade como cidade.




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