O John Neschling que assinou essas composições foi um sujeito fisgado pelas emoções expressas na tela sob direção de Alain Fresnot. “Aceitei o desafio depois de assistir ao copião do filme. Gostei tanto do que vi, que resolvi retomar meu trabalho com trilhas sonoras. Compus os temas musicais e só depois li o livro da Ana Miranda. Minha inspiração, portanto, saiu toda das imagens do filme”, relata o maestro no encarte do CD.
Esse procedimento, talvez, tenha colaborado para que o resultado soasse mais enxuto. Neschling foi direto ao assunto. Não foi econômico a ponto de fazer um trabalho minimalista, mas passou longe de ser piegas ou pomposo ao extremo.
Soube valorizar a dramaticidade das cenas, imprimindo a tensão certa para cada uma delas. Como o disco é todo alinhavado por falas dos personagens, é fácil situar-se. Não possibilita abarcar toda a profundidade de Desmundo, mas consegue transpor sua carga emocional.
Neschling explorou magnificamente cada instrumento. Um belo e delicado solo de violão percorreu todos os três “movimentos” da segunda faixa, ora desenhando um horizonte sombrio e desalentador, ora de uma fragilidade que resiste. Parece que não por acaso um dos movimentos dessa faixa – e da terceira também – ganharam o nome de Força Frágil e Força Frágil 2.
A participação do Coral Sinfônico do Estado de São Paulo foi outro recurso bem utilizado e, no disco, cria um impacto muito forte. A única faixa que não traz a assinatura de Neschling é It’ta Now, adaptada e arranjada por Marlui Miranda, e transcrita de música da Tribo Tupari, de Rondônia. Mas faz um belo casamento com as outras seis faixas do disco, e para o filme, pode representar a providencial colaboração da índia Temericô à portuguesa Oribela, vivida por Simone Spoladore.
A estréia de Neschling no universo das trilhas sonoras ocorreu há cerca 30 anos, por meio de um convite de Aylton Escobar. A tarefa consistia em ajudar o amigo a compor para o espetáculo teatral Desgraças de uma Criança.
Ainda no teatro, compôs para A Mais Sólida Mansão, Lola Morena, Rasga Coração e A Serpente e Mandrágora, entre outras. No cinema, para Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, Pixote, a Lei do Mais Fraco e O Beijo da Mulher Aranha (todos de Hector Babenco, que dirigiu Carandiru); O Cortiço (Francisco Ramalho Jr.), e Gaijin, Caminhos da Liberdade (Tizuka Yamazaki). Neschling está entre os mais respeitados regentes da atualidade e, hoje, é o diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.
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