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Após três dias, pilhas de lixo estão nas ruas
Renan Fonseca
Do Diário do Grande ABC
22/01/2011 | 07:53
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Três dias após a intensa chuva que abalou áreas de risco e alagou ruas no Grande ABC, a Prefeitura de Mauá ainda não terminou de remover o entulho e lixo deixados pela enxurrada na cidade.

No Jardim Zaíra, região mais afetada pelos temporais, ainda é possível ver móveis despedaçados, latas, garrafas PET, ramos e galhos presos em postes, e várias pilhas de entulho. Calçadas estão tomadas por barro ou sujas de terra.

Além disso, o serviço público despejou toneladas de lixo em frente ao piscinão Zaíra, que transbordou na terça-feira, prejudicando residências vizinhas.

O tráfego está lento na Avenida Presidente Castelo Branco desde quarta-feira. Os veículos têm de desviar das pilhas de lixo, e comerciantes ficam na beira das calçadas varrendo a terra.

No Jardim Zaíra 6, próximo ao morro do Macuco, onde cinco pessoas morreram em deslizamentos, a situação é ainda pior. Algumas vias estão tomadas por barro endurecido. Ontem, moradores ainda retiravam lama de dentro das casas.

Na falta de limpeza pública, os restos deixados pela última chuva se acumulam no meio-fio. "Não para de sair barro de dentro de casa. Alguns tratores da Prefeitura passaram na quarta-feira, mas não voltaram", disse a comerciante Edna Maria Cardoso Andrade, 34 anos.

Na Rua Alóis Binder, onde a Prefeitura ainda continua montando a tenda para abrigo provisório, a situação não é diferente.

Algumas donas de casa, contudo, não sabem para onde encaminhar a sujeira retirada de dentro de casa.

"A gente fica sem saber o que fazer. Já tem muito entulho na rua, mas ninguém vem limpar", reclamou a aposentada Josefa Gomes Batista, 63.

UNIÃO
Na Rua Francisco D'Aoglio, em frente à UBS (Unidade Básica de Saúde) Zaíra II, onde uma aposentada morreu afogada nesta semana, os vizinhos se uniram para remover restos de paredes e móveis.

Sem ajuda de maquinário ou caçamba para entulho, eles acumulam o lixo nas calçadas e cantos da rua. Muitos criticaram a ausência da limpeza urbana.

"A gente tem que limpar, segurando para não chorar. Perdemos uma amiga aqui, e a Prefeitura não tira o que sobrou da casa dela", falou o aposentado Genesco Gomes da Fonseca, 67.

41 CAMINHÕES
Ontem à tarde, caminhões da Prefeitura começaram a remover o entulho próximo ao piscinão Zaíra. O lixo foi colocado pela própria administração na quarta-feira.

A quantidade removida seria o suficiente para encher 41 caminhões, como estimou um dos motoristas que trabalhavam na limpeza.

"Todo esse lixo vai voltar para o piscinão na primeira chuva", desabafou o assistente administrativo Rodrigo dos Reis, 30 anos, que viu o entulho ser empilhado no local.

Quem passava por ali e via o trabalho do maquinário, não conseguia acreditar. "Acho que nem meu filho de 9 anos teria uma ideia tão errada assim. É um absurdo", disse a dona de casa Cristiane Nougueira, 39 anos.

Em nota, a Prefeitura informou que, desde o início da operação limpeza, na quarta-feira, foram retirados aproximadamente 80 caminhões com resíduos. Os trabalhos serão realizados até que o local esteja completamente limpo, conforme a nota.

Para solicitar os serviços de limpeza, o morador pode ligar para os telefones 156 ou 4542-7127.

Estação de ônibus vira teto para desabrigados

O quartel do Corpo de Bombeiros do Jardim Zaíra deu lugar a uma estação de ônibus. Com sistema de integração tarifária deficiente e construções por terminar, o local virou dormitório de sem-teto.

Ali dormem sete pessoas em dois colchões sujos. Todas moravam juntas em um barraco próximo, na Rua do Macuco. A moradia foi destruída pela enxurrada na noite de terça-feira.

Os poucos móveis foram danificados. Documentos pessoais, roupas, um pequeno rádio à pilha, tudo foi perdido. As paredes não suportaram a pressão da água e também cederam.

Sem lugar para ir, os sete companheiros rumaram para a Prefeitura. Sem promessas e colchões, voltaram para o local onde ficava a pequena habitação.

No leito do córrego que transbordou naquela noite, dois colchões foram recuperados. Agora, o grupo fica ali, no terminal inacabado.

Desde que passaram a dormir na estação, pelo menos duas vezes por dia homens da GCM (Guarda Civil Municipal) tentam afastar as sete pessoas dali.

"Eu tinha clientes e alguns trabalhos por fazer. Mas como vou pedir emprego com a roupa do corpo? Não sobrou nada", disse o pintor Damião do Amparo Mendes da Silva, 37 anos.

Seu colega, José Mentes Filho, 48, relembra que tinham conseguido dinheiro para aumentar o barraco. "A gente ia fazer um puxadinho. Dava para dormir todos lá, mas era muito apertado. Para onde vamos agora? Sem roupas e documentos, não dá para pedir emprego."

Além dos guardas-civis, moradores que passam pela Avenida Presidente Castelo Branco confundem os desabrigados com mendigos. "A gente tinha emprego, mas, sem parentes, não temos como conseguir roupas para voltar a trabalhar", lamentou Damião.

‘Sabia que estava recebendo uma visita da morte'

"Ela subiu três vezes. Na quarta, ela boiou. Eu sabia que estava recebendo uma visita da morte". Assim descreveu Antonio Grande Peralta, 73 anos, que perdeu a mulher, Antonia Avelaneda Grande, 63, na terça-feira. Limpando as lágrimas, ele relembra a todo instante os últimos minutos em que viu a companheira lutar contra a força da água.

No Jardim Zaíra, ele morou a maior parte da vida e perdeu a conta das vezes em que pediu à Prefeitura de Mauá para canalizar o córrego que cruza a Rua Francisco D'Aoglio. "Minha esposa morreu, e toda nossa luta foi em vão", lamentou.

Sem casa, ele vai continuar morando na residência da filha, também no Jardim Zaíra. O funeral foi bancado pela Prefeitura, garante o aposentado. E, finalmente, o prefeito Oswaldo Dias (PT) fez uma aparição pública.

"Ele foi no velório e deu pêsames. Todo mundo estava chorando, menos ele, que tinha uma cara de culpa", relatou seu Antonio.

Para ele, até agora nada foi oferecido pelo poder público. Dinheiro, roupas, chinelos e até óculos. Tudo foi doado por amigos. "Resta agora a lembrança de minha esposa. Isso não era para ter acontecido, eu falei para o prefeito no dia do funeral."

"A gente se dava muito bem. Era um casamento santo. Todo o dinheiro da minha aposentadoria eu colocava na mão dela. Nunca brigamos por nada", relembra Peralta.

O aposentado não aguarda ajuda da Prefeitura. Para ele, se o posto do Corpo de Bombeiros do Jardim Zaíra tivesse permanecido no terreno ao lado de onde morava, a companheira ainda estaria fazendo a sopa que costumava preparar à noite.

"Antes de ela se afogar, salvou nossos dois netinhos (de 4 e 12 anos). O que faço de agora em diante?", perguntou.




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