Setecidades Titulo
'Enem vai mudar o
Ensino Médio no País'
Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
12/06/2011 | 07:03
Compartilhar notícia


O futuro da educação passa pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que tem potencial para mudar o Ensino Médio no País. Essa é a opinião do educador, especialista no exame e colunista do Diário, Mateus Prado.

Em entrevista exclusiva, Prado falou sobre o que é preciso fazer para mudar o modelo de ensino atual, que privilegia conteúdo em invés de conhecimento. "O importante para o aluno é ter elementos para julgar situações. A 'decoreba' não tem razão de existir", garantiu.

Prado cursou Sociologia e Políticas Públicas na Universidade de São Paulo, é autor de livros didáticos e presidente de honra do Instituto Henfil, que oferece há dez anos cursinho comunitário com o objetivo de possibilitar acesso a curso pré-vestibular de qualidade a pessoas que não podem arcar com os custos.

DIÁRIO - Como está a educação brasileira hoje?

MATEUS PRADO - A Organização das Nações Unidas definiu quatro pilares para a educação mundial. O primeiro é ‘aprender a aprender'. As escolas brasileiras exageram nisso. Quem passa dias inteiros estudando, faz uma prova difícil e tira oito provou que aprendeu a aprender. Hoje, o Ensino Médio, quando é bem feito, se dedica à educação bancária. O aluno passa três anos aprendendo a aprender. As escolas têm no mínimo oito matérias no currículo. Cada professor aplica duas provas por bimestre. Em três anos, o aluno terá feito 192 provas. E todos os exames avaliam a mesma coisa: se ele aprendeu a aprender. Não se descobre se evoluiu, se o fato de estar naquela escola contribui de fato para a formação. Onde achamos que a educação é boa, os alunos estão só no aprender a aprender. Os cursinhos são especialistas nisso.

DIÁRIO - Nem todos os alunos têm facilidade para decorar conteúdos. A educação exclui a parcela que não tem?

PRADO - Sim, essa prática exclui, mas não quer dizer que os alunos não têm talentos para outras coisas. Aí deveriam entrar os outros três pilares propostos pela ONU. É necessário aprender a fazer, aprender a ser, o que envolve a construção de um projeto de vida, a defesa dessas ideias e os meios para fazê-lo, e aprender a conviver. É preciso debater questões éticas, valorização da democracia, respeito ao meio ambiente, e respeito à diversidade. Estamos muito longe desses quatro.

DIÁRIO - O que precisa mudar para que os estudantes cheguem preparados à universidade?

PRADO - O importante para o aluno é ter elementos para julgar situações, debater e resolver problemas. A ‘decoreba' não tem mais nenhuma razão de existir. Quando o professor ensina o conteúdo e cobra isso numa prova, o aluno mostra que aprendeu a aprender. O adolescente aprende isso muito isso, e segue reproduzindo nos demais anos escolares. Aprender a aprender é necessário, mas temos de avançar. O problema é o excesso de conteúdos. O importante não deveria ser acertar. O aluno acerta com o tempo. A educação conteudista aposta na repetição. Mas se você propõe situações-problema, o aluno pode chegar a conclusões surpreendentes. O professor deixa o papel de sabe-tudo e passa a ser um facilitador do conhecimento.

DIÁRIO - E qual o papel das escolas nesta mudança?

PRADO - As escolas, do jeito que funcionam hoje, desperdiçam talentos. Um traficante, por exemplo, aprendeu a aprender, assimila conteúdos, é bom em estratégia, cálculo, sabe sobre armas, resolve muito bem problemas, tem um projeto de vida, é líder e consegue desenvolver formação ética - diferente da nossa, é verdade. Esse é o tipo de pessoa que fracassou na escola. O sistema escolar excluiu esse garoto. Não levamos hoje os melhores talentos para a universidade. Levamos os com bom desempenho nos testes. Os vestibulares de universidades públicas são como licitações. Quando escolhem as questões que entrarão no exame, já se sabe quem vai acertá-las. Escolhem o aluno.

DIÁRIO - O Exame Nacional do Ensino Médio pode ajudar?

PRADO - O Enem tem capacidade de induzir a reforma do Ensino Médio, que é extremamente conteudista. Na minha época, tive que decorar todos os afluentes do Rio São Francisco, margem direita e esquerda! E isso não tem utilidade nenhuma. O Ensino Médio deve exigir outras competências, como a capacidade de interpretar textos e resolver problemas, que são habilidades que o Enem também exige. Mas os melhores alunos no Enem são os mesmos que ingressam nas melhores universidades do País. Isso porque, para convencer as federais a adotarem a nota no Enem como critério de ingresso, o MEC manteve características da prova que lembrar os vestibulares tradicionais.

DIÁRIO - Mesmo assim, o Enem ainda tem potencial para mudar o Ensino Médio?

PRADO - Sim, pois 30% ainda é conteudista, mas 70% exige interpretação. O que os professores e alunos ainda não sabem e não entenderam é que se cobra no Enem muito menos conteúdo do que é exigido nas provas do Ensino Médio. Ensinamos coisas demais e, logicamente, acabamos empurrando ao aluno coisas que não servem para nada. Não é preciso saber tantos detalhes. As particulares insistem muito nisso. As públicas nem tanto. O abismo entre quem estuda em escolas públicas e privadas ainda é grande. O Enem diminui um pouco essa distância, mas não elimina. As grandes redes de ensino são contra essas mudanças.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;