Setecidades Titulo Hemocentros do Grande ABC
Doação de homossexual é flexibilizada

Em todos os locais a doação foi permitida
após exame e entrevista com enfermeiros

Daniel Macário
Do Diário do Grande ABC
07/02/2016 | 07:00
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Divulgação:


Quase cinco anos após o Diário relatar a recusa de hemocentros da região em aceitar doação de sangue de homossexuais do sexo masculino, bancos do Grande ABC flexibilizam as regras impostas pelo Ministério da Saúde e permitem captação de doador gay, dependendo do histórico sexual. A abertura na norma imposta pela portaria 2.712/2013, que considera inaptos “homens que fazem sexo com homens” pelo período de 12 meses, acontece logo após a Defensoria Pública da União encaminhar, no mês passado, recomendação ao órgão federal pedindo que a restrição seja anulada. O ministério tem até o dia 15 para dar um posicionamento sobre o caso. Na Capital, ainda há restrição.

Diferentemente do ocorrido em maio de 2011, quando profissionais do Diário se passaram por gays nas centrais de coleta da Colsan (Associação Beneficente de Coleta de Sangue) para tentar fazer a doação e foram recusados de bate-pronto, sem chance de argumentação, desta vez a situação encontrada pela equipe de reportagem foi outra.

Na última semana, o Diário retornou aos postos da Colsan em Santo André (no Hospital Mário Covas), São Bernardo (Hemocentro Regional) e São Caetano. Nas duas primeiras unidades, este repórter relatou ter mantido, ao longo dos últimos 12 meses, cinco parceiros sexuais diferentes, do mesmo sexo, todos com preservativo. Já no posto de São Caetano, afirmou que está em relação estável há oito meses e, fora desse período, teve dois parceiros sexuais diferentes com camisinha. Em todos os locais a doação foi permitida após coleta de exame preliminar para anemia e entrevista com enfermeiros.

Em Santo André, ao ser questionada sobre a restrição do Ministério da Saúde para doação de homossexuais masculinos, a enfermeira que realizava a entrevista antes da coleta afirmou não compreender o motivo da proibição. “É um megapreconceito. Existem heterossexuais muito mais promíscuos, que transam sem camisinha. Se você usou preservativo, não tem motivo para te recusar.”

Para o coordenador do GT (Grupo de Trabalho) Identidade de Gênero e Cidadania LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Pessoas Trans e Intersexuais) e defensor público federal, Erik Palácios Boson, manter a restrição para gays é conduta errada. “É postura de caráter discriminatório. Na época em que ela foi criada, de fato os homossexuais eram responsáveis por quase toda porcentagem de infectados por HIV, mas esse panorama mudou e não tem mais sentido manter essa norma.”

Já na avaliação do advogado e coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, além de ser discriminatória, a legislação tem outro fator ainda mais grave. “É uma violação à Constituição Federal. Não se pode julgar a pessoa pela opção sexual.”

Procurado para repercutir o assunto, o Ministério da Saúde disse que ainda não recebeu o documento da Defensoria Pública da União. Entretanto, ressaltou que a Portaria 2.712/2013, que prevê a restrição para doação de homossexuais, será revisada neste ano, considerando as evidências científicas mais atuais e as recomendações nacionais e internacionais sobre o assunto, que será discutido pelos especialistas.

Em janeiro, bancos do Grande ABC têm queda de 20% nas contribuições

Dados fornecidos pela Colsan (Associação Beneficente de Coleta de Sangue) apontam diminuição de doadores nos hemocentros do Grande ABC, se levada em considerado a captação de sangue em janeiro em comparação com a média mensal registrada ao longo de 2014.

Até o dia 27 de janeiro, foram registrados 4.100 doadores nas quatro unidades da região. A média em 2014 foi de 5.200 doadores/mês, o equivalente à diminuição de aproximadamente 20% dos doadores no mês passado.

Segundo a administração do Colsan, a falta de colaboradores tem impactado diretamente no estoque do sangue com RH negativo. Em nota, a associação convoca possíveis doadores do tipo sanguíneo para restabelecer o estoque.

A situação crítica dos hemocentros já vem sendo registrada desde o fim do ano passado, quando, em novembro, a Colsan informou que, na região, o estoque de sangue era de 2.000 bolsas para atender 11 agências transfusionais. Segundo a Colsan, o número ideal seria entre 3.000 e 3.500.

Preconceito e discriminação são comuns em hemocentros

Apesar de hemocentros da região flexibilizarem doação de sangue de homossexuais, o preconceito ainda é evidente em algumas situações. Segundo o presidente da ONG ABCD’S (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual), Marcelo Gil, voluntários relatam atitudes discriminatórias no atendimento para captação de sangue.

“Vira e mexe pessoas vêm falar comigo dizendo que foram recusadas só por serem gays. O pior de tudo é que alguns não conseguem entender a razão da discriminação.” Na visão do militante, a diferença de postura ao atender heterossexuais e homossexuais é preocupante. “É absurdo que alguém da comunidade LGBT, para doar, precise omitir sua opção sexual. É de ficar indignado.”

A diferença de tratamento foi constatada pela equipe de reportagem. Na semana passada, dois profissionais do Diário estiveram nos hemocentros da região. Um se passou por homossexual e outro como heterossexual. Ambos, na entrevista com as enfermeiras, usaram o relato de cinco parceiros sexuais nos últimos 12 meses. Enquanto o doador gay foi questionado sobre uso de preservativo, se conhecia a pessoa ou não e tempo de intervalo entre cada encontro, o doador heterossexual foi questionado apenas sobre a quantidade de parceiras e uso de drogas.

Para o atendente de telemarketing Luan Bertini, 25 anos, o que era para ser boa ação se tornou momento de revolta. “Como estava próximo do Carnaval, decidi doar sangue perto do meu trabalho, na Capital. Quando fui perguntar para a recepcionista o que precisava e disse que era gay, ela informou que não poderia fazer o procedimento por causa disso. Foi superseca e disse que eram as normas. Fiquei muito frustrado com tudo isso”, relata.

Na avaliação do coordenador do GT (Grupo de Trabalho) Identidade de Gênero e Cidadania LGBTI e defensor público federal, Erik Palácios Boson, caso a norma que restringe a doação de homossexuais seja derrubada, é necessário que o Ministério da Saúde adote novas medidas. “Não basta cair essa regra. Os profissionais de Saúde precisam ser capacitados para atender esses pacientes, pois sabemos que ainda existe muito preconceito.” (colaborou Nelson Donato)
 




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