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'Topo da Montanha' mira conflitos passados e presentes
20/11/2015 | 10:00
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Todos podem estar em todos os lugares. E têm os mesmos direitos. Mas, estranhamente, acostumamo-nos a conviver com plateias brancas. Em São Paulo, 2015, ainda soa natural que todos os que se sentam ao seu lado sejam brancos. Como se fôssemos regidos por uma canhestra - e bem pouco razoável - lei universal de separação de corpos.

O Topo da Montanha, em cartaz no Teatro Faap, vem falar do ápice do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Época de Malcolm X, dos Panteras Negras e, em especial, de Martin Luther King. Há, portanto, uma considerável distância espacial e temporal a nos resguardar do desconforto do embate verbal travado nessa obra da dramaturga norte-americana Katori Hall. Não é difícil, porém, para quem olha ao redor, para quem observa os espectadores no escuro da sala de teatro, entender que não se trata de uma trivial visita a um longínquo episódio histórico.

A peça de Katori estreou em Londres, em 2009. Calorosamente aplaudida pela crítica, a produção logo trocou um teatrinho no circuito off pelo West End. Levou o prêmio Lawrence Olivier daquele. E logo chegou à Broadway, com Samuel L. Jackson, no papel de Martin Luther King.

Aqui é Lázaro Ramos a assumir o personagem icônico e também a direção, dividida com Fernando Philbert. Quando entra em cena, cercado por efeitos que emulam uma chuva torrencial, raios e trovões, ele entrega ao espectador o que seria um vislumbre do último dia de King, antes do assassinato em Memphis e do lendário discurso 'I've been to the Mountaintop'.

No que teria pensado nessa noite? Ele está em um quarto de hotel, sozinho. Tosse, combalido. Tudo isso aconteceu. A ficção entra para criar uma improvável batalha verbal com uma camareira, Camae, interpretada por Taís Araújo.

Segura de si, ela desestabiliza os argumentos do bom senso. Evidencia os gargalos no discurso pacifista. Defende a reação violenta do movimento negro. Trata-se de um teatro de feições tradicionais, não propriamente pelo conteúdo - que ainda choca muita gente. Mas pela forma: uma drama calcado no conflito entre personagens antagonistas.

Ancorada nos diálogos cheios de chistes, Taís Araújo tempera com ironia o debate acirrado. É consistente, mas leve. Sua energia cáustica encontra bom contraponto na composição de Lázaro Ramos, que desenha um missionário convicto de suas ideias, mas tolerante. Correto, mas desejoso do jogo de gato e rato estabelecido com uma parceira tão sagaz.

Muito do tônus da peleja se perde quando a camareira revela sua verdadeira identidade e os propósitos de sua vinda. A mordacidade dos argumentos cede espaço a conclusões grandiloquentes e promessas de redenção. Mesmo a concepção cenográfica sublinha essa mudança de tom. O que era um quarto de hotel se expande, toma as feições de uma antessala da morte próxima; e o uso de projeções vem sublinhar, em demasia, os já evidentes pontos de contato entre passado e presente.

O TOPO DA MONTANHA

Teatro Faap. Rua Alagoas, 903, tel. 3662-7233. 6ª, 21h30; sáb., 21h; dom., 18h. R$ 90. Até 13/12.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.




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