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Questão racial em xeque
Luciane Mediato
Especial para o Diário
28/03/2011 | 08:23
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Em um mundo em que se torna cada vez mais comum ver noticiários sobre o crescente número de grupos racistas, xenófobos, separatistas e que pregam supremacia de uma etnia sobre a outra, a britânica Malorie Blackman quebra esse paradigma com o livro Xeque-Mate (Editora Galera Record, R$ 52,90, 496 páginas). A questão racial ganha novos contornos e a autora usa a ficção para discutir questões éticas e sociais por meio de um prisma nada convencional.

O livro tem como cenário uma Inglaterra alternativa na qual a sociedade se divide entre Zeros (brancos com poucas oportunidades) e Cruzes (negros privilegiados). A protagonista é a mestiça Callie Rose, nascida de mãe Cruz e pai Zero, e que enfrenta batalha contra os preconceitos de uma sociedade que não aceita quem tem origem dupla.

Neste universo criado por Malorie, vencedora de vários prêmios literários, Zeros e Cruzes devem viver em seus respectivos lados do tabuleiro, com quase nenhuma interação. Essa é a lei, mas não a vontade de todos.

O enredo da obra gira entorno da busca de Callie por descobrir o passado de sua mãe e a história de seu pai. Ambas as questões estão ligadas à luta pela igualdade entre Zeros e Cruzes.

A história, que foge a qualquer estereótipo racial conhecido e apresentado na literatura, só poderia ser escrita por alguém que vivenciou o preconceito. Criadora deste cenário e responsável por trazer uma nova perspectiva sobre o preconceito racial, Malorie contou ao Diário que a inversão dos papéis foi proposital. "Existe um velho ditado que diz: ‘Você nunca pode conhecer verdadeiramente outra pessoa até que tenha andado em seus sapatos por um tempo'. As histórias do livro partem de uma tentativa de mostrar o que é ser considerado e tratado de forma diferente por causa de sua cor de pele", explica.

A autora lembra que quando escreveu o primeiro livro da série, Jogo da Velha, a intenção era mostrar para crianças e pessoas negras como resolver os seus dilemas. "Utilizo em alguns momentos minha própria experiência de vida. Como quando incluo a ocasião em que precisei usar gesso e descobri que eles foram projetados para que ficassem discretos apenas em pessoas brancas", afirma.

Malorie deseja que cada nova geração seja mais esclarecida e menos preconceituosa. "Acredito que a ignorância sobre a cultura, religião e crenças dos outros estimula o medo e o ódio. Espero que as novas gerações tenham tempo para encontrar informações sobre seus vizinhos, para conversar com eles e descobrir o que realmente está acontecendo em vez de acreditar em tudo que lê ou ouve através de uma mídia tendenciosa".

Quando questionada se acredita que exista incentivo dos governos para que haja ações xenófobas e racistas, a resposta é imediata : "Sim, eu sei que existe. Uma série de governos, no mundo inteiro, tem interesse de manter as pessoas divididas e focadas em si e não naquilo que o governo está fazendo - ou não fazendo. Como dizem: ‘Unidos venceremos, divididos cairemos'."

Uma das questões polêmicas tratada por Malorie no livro é o fato de o pai da personagem principal ser um ‘terrorista' que luta pela igualdade racial. Para a autora, tudo é uma questão de perspectiva. "Enxergo o personagem como um combatente da liberdade. Certamente não acredito que o terrorismo seja a única maneira de mover o debate sobre qualquer tipo de desigualdade, mas posso entender que, para algumas pessoas, esta acaba sendo a única solução. Nos meus livros quero mostrar os diversos lados da vida."

A autora ressalta acreditar que qualquer forma de preconceito e exclusão deve ser tratada e resolvida por meio da educação e do diálogo. "Esse tipo de comportamento tem que ser desafiado pela comunicação. É um círculo que deve ser quebrado. Porém eu quero deixar claro que não importa quão ruim as coisas se tornem, nós temos que ter esperança que as coisas vão melhorar e trabalhar para que isso aconteça."

 




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