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Parque Capuava é um pedaço do Piauí
Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
03/04/2011 | 07:41
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Tiago Silva/DGABC


Viver perto da família é bom, mas às vezes nem tanto. Imagine morar perto de aproximadamente 400 familiares. Não deve ser uma tarefa fácil, mas no Parque Capuava, em Santo André, isso acontece da melhor forma possível.

Os Costa têm em comum a mesma história triste dos migrantes nordestinos. Eles deixaram a minúscula Patos do Piauí, no Piauí, para fugir da seca, da miséria e da fome. A maioria conseguiu melhorar de condições de vida após inúmeras dificuldades, mas engana-se quem acha que a chegada de novos parentes acabou.

"Não tem jeito, a cada hora aparece mais um fugindo da pobreza", disse Domingos Costa, 45 anos, mais conhecido como Gótico.

O último que chegou para correr atrás do sonho de fazer dinheiro foi José, 24. Um jovem que largou a mulher e dois filhos no Piauí.

Gótico foi o primeiro a pisar em solo andreense, e na favela do Capuava. "Como tinha arrumado um emprego aqui perto e pagava aluguel, não pensei duas vezes: comprei um barraquinho e me mudei com minha mulher e quatro primos", relembra.

A saga começou depois da fracassada colheita de algodão e mandioca no início de 1989 no Nordeste. "A seca veio com tudo, não tinha o que comer em casa. Nem sal para temperar o feijão. Aí o jeito foi vir para São Paulo", conta.

De lá para cá não parou mais de chegar conterrâneos nordestinos. De 11 irmãos de Domingos, cinco moram na favela. Outros também fizeram o caminho de volta.

Diário passou uma tarde caminhando pelas ruas, vielas e becos para ouvir e conhecer uma parte da gigante família. Foram mais de 15 residências visitadas e inúmeros pontos comercias que normalmente pertencem a um primo, sobrinho, irmão, cunhado, neto e tudo mais do clã.

A favela de hoje é urbanizada com água e luz, diferentemente de anos atrás. "Isso aqui era puro barro e violência. Tinha dia que precisava desviar de até seis homens mortos que ficavam jogados nas ruas", conta Julião, 52, que é casado com uma das irmãs de Domingos.

Ao andar pelo bairro, a todo momento uma criança parava Frutuoso, 35, que fez as vezes de guia, para pedir a benção. "Bença padrinho", "Bença tio". "Deus te abençoe meu filho", respondia, após estender a mão direita.

"Não tem jeito, é muita gente mesmo. Não sabemos como ficou assim", diz o rapaz.

TUDO DOMINADO

O batalhão Costa falou que nunca teve problemas com os marginais e que alguns parentes morreram, por causa da violência. "Perdemos, mas foi família matando família".

Um fator para tanta gente do mesmo sobrenome morar por perto tem um motivo. Eles casam entre si. "Aqui não tem essa não, os homens não deixam as mulheres Costa solta por aí", conta Frutuoso, rindo.

Cinco jovens jogam tranca em um bar. Dois comem churrasquinho em outro boteco. Um corta o cabelo no salão. Uma dona de casa compra utensílios domésticos. Outro vende sorvete. Uma mulher prepara o jantar. É assim a tarde na favela do Capuava. Impressionantemente, todos os personagens citados são da mesma família.

Primo consegue emprego para o último a chegar

A maioria dos familiares no Capuava trabalha como pedreiro ou no Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André), na função de gari.

Esse é o mesmo caminho traçado na última semana para José, 24 anos, o último dos Costa a desembarcar em Santo André. Segundo eles, todos que chegam ficam desta forma: tímidos e sem dinheiro.

Zezinho, como passou a ser chamado pelo clã, na maior parte do dia fica calado, com olhar perdido no horizonte. Disse que às vezes sente vontade de chorar e voltar para a sua terra. A voz é rouca, e o forte sotaque nordestino faz com que as palavras fiquem ainda mais difíceis de ser compreendidas até pelos mais próximos.

O enredo é conhecido por todos. Quando um parente sobe a Rua São Paulo com a mala a tiracolo, um familiar cede um cômodo e alguns itens básicos de sobrevivência. "Não tem luxo, mas arroz e feijão não faltam", conta Domingos.

O prazo para se estabelecer invariavelmente é de dois anos. Um parente empregado tenta encaixar mais um na firma e assim vai. Após uma volta pelas casas dos parentes, Zezinho recebeu um convite de um primo que ele nem conhecia. O seu pai não avisou, como de costume, sobre a chegada do rebento.

Com apenas uma ligação, o primo falou com o empreiteiro de uma obra e perguntou se não estava precisando de mais um ajudante de pedreiro. Com a resposta positiva, o primeiro sorriso surgiu no rosto de Zezinho, e a chance de ganhar os primeiros trocados.




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