Cotidiano Titulo Cotidiano
A janela

Lá fora o sol de setembro brilha, enchendo de luz a casa e a vida que segue implacável

Rodolfo de Souza
17/09/2015 | 07:00
Compartilhar notícia


Lá fora o sol de setembro brilha, enchendo de luz a casa e a vida que segue implacável. O ano, sempre muito veloz, trilha o seu caminho como se fosse um trem. Não é de hoje que carrego essa mania de imaginar um trem quando penso no ano passando, determinado, preciso. Não há mesmo como detê-lo nem como impedir a mente de pensar em sua força e na voz férrea de seus trilhos, que me impelem a isso.

E da janela espio o mar que me acena sorridente. Suas ondas parecem brincar comigo na manhã de setembro, cuja luz realça o seu brilho e a sua natureza oceânica que faz parte da casa, da vida das pessoas e dos bichos que se mostram indiferentes quando lhes chamo a atenção para o esplendor do dia que se descortina.

Debruçado no parapeito, ainda tento adivinhar o pensamento miúdo da pata que me olha de soslaio. Cumprimento-a com um bom dia correspondido com uma marota sacudidela de rabo que lá vai à distância. Estranho como seu andar engraçado me anima a começar o dia e acreditar. Assim, observo a vida animal que segue devagar sem dar lá muita importância para o meu sentimento um tanto primaveril.

Janela, por certo que é objeto feito não só para encher de claridade o lar, mas também para o ser humano partir em busca de si mesmo, intimamente ligado à natureza que, quer admita ou não, é a sua origem. A janela é, pois, o lugar de onde espreitamos tudo o que passa, inclusive, patos e trens.

Da intimidade da casa e da alma, meu olhar se estende à distância, sobretudo, pela manhã quando acabo de deixar o mundo dos sonhos para me aventurar na realidade dos dias que se seguem, um após o outro, como vagões. Até porque, olhos também são janelas por meio das quais é possível vivenciar a magnífica explosão de formas e cores que compõem as imagens de toda esta vida que presencio agora e que me penetra a alma.

Meus olhos, em momento de tamanha intimidade com o natural, ainda são sensíveis a ponto de notar que a espetacular fotografia do mundo, por causa do cotidiano, anda meio frustrada. Acabou por descobrir que caiu na mesmice daquilo que é comum, banal, e ainda por saber que a sua verdadeira face, há muito, deixou de ser apreciada pela pessoa que não percebe o ar que lhe entra nos pulmões, simplesmente porque este movimento de entra e sai tem sido constante desde que nascera e não lhe parece assim tão essencial.

Até nisso me faz pensar a velha janela com venezianas de madeira: na fragilidade do homem que caminha pela praia, ali adiante, sem saber que é observado e que respira. A mulher gorda que ajeita os apetrechos na areia para aproveitar mais um dia à beira mar, da mesma forma, é um organismo vivo que perambula por este mundo em busca de algo que não sabe bem o que é.

Mas não há de ser nada! Setembro passará e dará lugar a outro vagão que seguirá destemido como os demais. E a mim, figura impávida na estação deserta, só me resta esperar pelo próximo trem.

Chego a pensar que os trens me deixam sentimental neste mês, não a primavera. Deve ser isso.

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com. 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;