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Spielberg finaliza ‘The Terminal’
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
05/03/2004 | 18:55
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Dono de uma fortuna pessoal estimada em US$ 2,2 bilhões (segundo a revista Forbes), Steven Spielberg poderia comprar a mais cara poltrona reclinável do globo, toda uma safra de coco verde gelado e gastar o resto dos dias a apreciar as paisagens de Pasadena, paraíso montanhês da Califórnia onde reside. Mas não. Em vez disso, o cineasta prefere continuar no batente. Exatamente agora, encontra-se em intensa jornada junto à sala de edição, na pós-produção de The Terminal (O Terminal), longa por ele dirigido e que deve estrear nas telas norte-americanas em 18 de junho deste ano; no Brasil, a previsão é 10 de setembro.

Uma notícia assim pode ter efeito avassalador para os entusiastas da série Indiana Jones, cujo quarto episódio tem sua realização penhorada há anos e recentemente foi prometida para 2005. A última informação divulgada sobre o projeto Indy 4 é a de que os co-produtores Spielberg e George Lucas não teriam gostado da versão do roteiro apresentada por Frank Darabont (diretor de Um Sonho de Liberdade) e atrasado a virtual estréia do filme, novamente estrelado por Harrison Ford, para 2006.

Quem não tem Indiana Jones, caça com The Terminal. Para sua nova produção, o cineasta e sócio dos estúdios Dreamworks cercou-se de colaboradores das antigas, num processo de produção próximo ao de uma irmandade, tamanha a intimidade profissional que mantém com essas pessoas. Assim, o compositor John Williams responde novamente pela trilha sonora, o diretor de fotografia Janusz Kaminsky é o dono da luz de outra obra spielberguiana, e Michael Kahn é o autor da edição, pela enésima vez.

E Tom Hanks, ator elencado na proa de filmes de Spielberg como Prenda-me se For Capaz (2002) e O Resgate do Soldado Ryan (1998), foi cooptado para The Terminal. Pertence a ele o papel principal, do imigrante Viktor Navorsky. O roteiro se estruturou a partir de um fato verídico, ocorrido no aeroporto francês Charles de Gaulle em 1988, quando o refugiado iraniano Merhan Nasseri se emaranhou num imbróglio burocrático, causado pelo roubo de seu passaporte. Impedido de entrar na Inglaterra, Nasseri passou longos períodos comendo e dormindo em um terminal do aeroporto pois, por falta de documentos, estava impossibilitado de pisar em território francês e mesmo de voltar ao Irã natal.

A história já inspirara o filme francês Caídos do Céu (1993), de Philippe Lioret, e chega a Spielberg, no roteiro escrito por Sacha Gervasi e Jeff Nathanson, imersa em consideráveis distorções. O imigrante vivido por Hanks é agora oriundo do Leste Europeu, de um país de opereta riscado do mapa pela guerra. Despojado dos documentos, adota como dormitório e refeitório informal, durante 11 meses, o terminal de um aeroporto de Nova York. Transforma-se em personagem do folclore urbano ao contar suas histórias a passantes interpretados por Catherine Zeta-Jones, Stanley Tucci e pelo mexicano Diego Luna.

Com The Terminal, Spielberg almeja encostar no debate da preservação da identidade como patrimônio individual ante a antropofágica globalização.

O aval das aptidões artísticas de Steven Spielberg depende sempre do ponto de vista. Do ângulo industrial, ele é “o cara”, o mais habilidoso entre todos os manda-chuvas de Hollywood. Evidência disso é a escolha dele para anunciar com freqüência quase anual o vencedor do Oscar de melhor filme, a estatueta principal da premiação este ano entregue a O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei, de Peter Jackson.

O prestígio não é conseqüência somente dos filmes que produziu ou dirigiu. Pai de seis filhos, o cineasta sustenta um discreto e patronal ativismo político nos Estados Unidos. É constante contribuinte do Partido Democrata e já abandonou uma associação de escoteiros ao saber que eles reprovavam a adesão de homossexuais. É politicamente correto a ponto de afirmar nunca ter bebido café na vida.

Fez sua reputação a partir da produção executiva de filmes como Gremlins (1984), Os Goonies (1985), De Volta para o Futuro (1985) e Homens de Preto (1997). E, evidentemente, da direção de dezenas de outros, a começar por Encurralado (1974), sobre a perseguição anônima de um caminhão atrás de um carro de passeio. Começa aí o desenvolvimento da trinca de temas que nortearão a obra spielberguiana: a perseguição, o medo e a separação.

São múltiplos os focos de resistência entre a crítica para atribuir a Spielberg um trabalho autoral. Mas é fato que ele o faz de forma a enredá-lo entre os artifícios do espetáculo e, nesse processo, muitas vezes bate na infantilização. Spielberg vem, junto a George Lucas, Martin Scorsese e Francis Ford Coppola, de uma geração preocupada em anabolizar a tradição ficcional norte-americana dos anos 30 e 40, com seus gângsteres e matinês, e os temas de seu cinema são cirurgicamente implantados nessas recriações. Assim, faz do medo um personagem tangível em Tubarão (1975) e Jurassic Park (1993); da perseguição, uma conseqüência da obsessão em A Louca Escapada (1974), Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), A Lista de Schindler (1993), Minority Report (2002) e Prenda-me se For Capaz (2002); e da separação, um destino inexorável em ET – O Extraterrestre (1982); O Império do Sol (1987) e AI – Inteligência Artificial (2001). A criação artística, em Spielberg, traveste-se de espetáculo.




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