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'A Nau dos Loucos' se lança ao palco
Mauro Fernando
Do Diário do Grande ABC
09/01/2002 | 19:32
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  Chegou o dia. Capitaneada pelo dramaturgo Luís Alberto de Abreu, pelo diretor Ednaldo Freire e pela Fraternal Cia. de Artes e Malas-Artes, a comédia A Nau dos Loucos – Stultifera Navis estréia nesta quinta no Teatro Paulo Eiró, em São Paulo. A peça mistura personagens fictícios ao mito – de base histórica – da Nau dos Loucos, que descia o rio Reno, na Europa da Idade Média para o Renascimento, recolhendo enjeitados de toda espécie.

“É uma metáfora que trabalha a irracionalidade do mundo atual”, diz Abreu. A nau, portanto, é contemporânea. Ao usar a linguagem desenvolvida pelo projeto Comédia Popular Brasileira (premiado pela APCA em 1996), Abreu, Freire e a Fraternal constróem um espetáculo escorado na cultura popular universal e na narrativa teatral, que estimula a imaginação do público.

O navegador norueguês Peter Askalander (Ali Saleh) e o índio brasileiro Pedro Lacrau (Edgar Campos) embarcam na Nau dos Loucos após um duplo naufrágio – o sonho da riqueza une a cultura européia à tropical. A peça, então, pula do século XVI – Peter e Pedro são figuras daquele tempo – para a época atual. “São dois personagens sem lugar neste mundo. Um representa o velho explorador europeu, o indivíduo que constrói um império. E o outro, a sociedade tribal”, afirma Abreu.

A nau, que inicialmente é alegre, transforma-se. “Há uma série de acontecimentos absurdos, o julgamento de Deus (Mirtes Nogueira), uma revolução fundamentalista”, diz o dramaturgo de Ribeirão Pires. Como o português Joaquim D’Alencastro (Aiman Hammoud) é o único mentalmente são em um mundo às avessas – a nau –, todos o consideram louco.

“Forma-se um caldo cultural propício ao surgimento do fascismo, em que as massas são arregimentadas pela irracionalidade. O mundo é uma grande nau de excluídos, um campo fértil para o totalitarismo”, afirma Abreu. O texto, então, navega no sentido contrário do pensamento hegemônico atual, pelo qual “as pessoas não existem individualmente, a não ser que consumam, façam parte do sistema”.

Tudo isso, é claro, surge sob o filtro da comédia – não se trata de uma tese sociológica. Wilson Julião é o quinto ator em cena – todos interpretam mais de um personagem. A cenografia, de Luis Augusto, é rica, embora algo despojada. “Usamos o necessário, não o decorativo, e não queremos imagens óbvias”, diz Freire. Os próprios atores, pelos elementos que manipulam, ajudam a criar a cenografia. A proposta, pois, foge das regras realistas e naturalistas. “O teatro não pode reproduzir o cinema e a TV. É preciso reinventar”, afirma o diretor. O processo de colaboração entre dramaturgo, diretor e elenco é outra característica da montagem. Fernando Sardo, de Santo André, assina a direção musical.




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