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Nós na teia
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
25/02/2010 | 07:00
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Duas companhias de arte do ABC, a de teatro Quartum Crescente, de Mauá e a Companhia de Danças de Diadema, têm muito em comum. Ambas passam pelas dificuldades de realizar arte no Grande ABC, consequência da falta de espaço e políticas públicas.

Comemorando 25 anos (Quartum) e 15 anos (Cia de Danças), ambas se apresentam na "I Teia Estadual Paulista: Tá na Rede É Ponto", realizada pelo Ministério da Cultura, que prevê o encontro e intercâmbio de pontos de cultura de todo o estado, realizada em Guarulhos e com atividades gratuitas, que começam amanhã. O evento conta também com o Fórum Nacional dos Pontos de Cultura que discutirá o papel desses locais na cultura nacional: criar artistas, educar cidadãos e aproximar cada vez mais a população da arte.

"Estamos no nosso melhor momento", conta Ana Bottosso, diretora da Companhia de Danças de Diadema.

Para ilustrar, ela cita os 80 espetáculos apresentados em todo o ano passado e os projetos desenvolvidos pelo grupo em Diadema, para formação de público e incentivo à dança, entre eles o ABCDança, já em seu quinto ano reunindo companhias da região e de São Paulo que realizam apresentação e intercâmbio entre bailarinos, e o Cirandança, que agrupa, em apresentação, todos os alunos das oficinas da cidade.

"São entre 700 e 800 participantes se apresentando para um público de 2.000 pessoas. É o grande momento deles", afirma.

Fundada em 1995 por Ivonice Satie, a companhia conta com cerca de 20 espetáculos no repertório e 11 pessoas no elenco, cinco deles com condições de apresentação hoje. Ana está no grupo desde 1998. Assumiu a direção em 2003. "Nos últimos quatro anos, fomos vistos em espetáculos e projetos por um público de mais de 120 mil pessoas. A companhia se tornou, ao longo do tempo, reconhecida e cheia de visibilidade no cenário da dança".

Outros pontos importantes listados pela diretora são "os braços que desenvolveu ao longo de suas atividades". Entre eles o Mão na Roda, que desenvolve trabalho com cadeirantes, e a Cia. Danceato, que já completou dez anos de fundação. "Participação de grandes nomes da dança endossam qualitativamente o trabalho da companhia e de seus bailarinos. Entre eles, temos Henrique Rodovalho, o argentino Luis Arrieta e Mário Nascimento, especialista em dança contemporânea", completa.

DIFICULDADE - Uma das dificuldades da companhia, para a diretora, é espaço. "Uma boa política cultural em qualquer cidade tem de contar com programação de teatro, música, cinema e dança. Não falta pauta de dança para fazermos apresentações, falta é diversidade de apresentações de múltiplas linguagens culturais".

Se realizar dança e formar público para essa arte é difícil, Ana prefere dizer que o trabalho é que deve ser árduo, tanto das companhias quanto das prefeituras. "Quanto menos se faz, menos acontece. A vida das pessoas está muito ociosa, elas preferem ficar em casa vendo TV, no computador. Temos de insistir, aguentar um período com pouco público e desenvolver projetos fixos que deem visibilidade e espaço para a dança", acredita.

TROCA - Um dos conceitos mais prezados pelo grupo é trocar. "Quando falamos em contemporaneidade falamos em troca: primeiro consigo, com o outro e depois com o mundo. Toda arte tem de ter essa relação e cada um de nós, até professores, estamos envolvidos em um processo de troca constante", diz Ana.

Hoje, a Cia. de Diadema conta com incentivo da prefeitura e da Secretaria de Estado da Cultura, é contemplada pelo Proac (Programa de Ação Cultural) e pela Lei Rouanet (para circulação e oficinas), e recebe apoio de duas empresas privadas, a Brasmetal Walvohl e a Makeni Chemical. "Mas precisamos de mais apoio, tanto da iniciativa pública quanto da privada, para que nosso trabalho duplique".

Amanhã, o grupo apresenta sua última coreografia, La Vie Em Rose???, no Teatro Adamastor (Avenida Monteiro Lobato, 734. Tel.: 2472-5400), em Guarulhos, às 20h. A brasileira naturalizada francesa Denise Namura e seu marido, o francês Michael Bugdahn, criaram a coreografia para celebrar os 15 anos da companhia.

"É um questionamento que realizamos por meio da dança. Um caminho aponta várias direções, e tudo pode acontecer. O bacana é que falamos, nesse trabalho, muito das nossas memórias, e as pessoas se identificam", comenta Ana.

Quartum Crescente resiste

A Quartum Crescente nasceu de projeto de Ronaldo Batista de Moraes, após concluir seus estudos na Fundação das Artes de São Caetano e em escolas paulistanas de teatro. "Trouxe a companhia para Mauá porque sou daqui. Muita gente de São Paulo veio comigo, mas quase ninguém ficou", conta o fundador.

Em busca de espaço, Moraes passou muito tempo peregrinando pela cidade, treinando em academias e outros locais emprestados. Em 2001, adquiriu uma sede própria, no Jardim Oratório, onde passou a desenvolver trabalhos com a comunidade. O elenco atual tem 20 integrantes e mais de 150 alunos.

Uma das maiores dificuldades da companhia, após ter virado instituição, segundo Moraes, é a burocracia. "Ter subvenção é bom, porque nos permite comprar coisas básicas como água e equipamentos para atender nossos alunos. Mas, deixar de fomentar a cultura para alimentar a burocracia, não dá", afirma.

No currículo do grupo constam mais de 20 espetáculos. "O Disfarce", de 1993, ganhou festivais e seguiu com apresentações até o Nordeste. Um dos maiores trunfos é a adaptação do Auto da Barca do Inferno, em cartaz desde 2001 e que possibilitou a construção dos 240 m² da sede.

Moraes diz que muitas vezes tirou dinheiro do bolso para custear a companhia. "Hoje, aprendi a não confiar na verba que o poder público nos dá, não tem como saber quando vem", diz, a despeito dos R$ 65 mil que deveria receber do Ministério da Cultura, por ser um ponto de cultura, e os R$ 20 mil da prefeitura de Mauá, de subvenção. As verbas são para o ano todo, mas ainda não chegaram.

ARTE NO PALCO - A Quartum Crescente flerta com a commedia dell'arte, mas popularizando e traduzindo para os dias atuais. "É um gênero estético muito forte do Renascimento, nós reinventamos e trazemos para o nosso momento, realidade, que é o que nos aproxima e nos faz comunicar com o público. Não há como apresentar um Esperando Godot para a maior parte das pessoas da região, porque elas não têm preparo".

No sábado, às 13h, o grupo encena A Chegada de Lampião no Inferno, em Guarulhos (Rua Dom Pedro II, s/nº). Domingo, às 10h, Moraes apresenta dança flamenca, no Teatro Adamastor (Av. Monteiro Lobato, 734. Tel.: 2472-5400).

Atualmente o grupo cria O Boi, espetáculo lúdico calcado no universo cultural brasileiro. Previsão de estreia para o segundo semestre deste ano.




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