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Chuva de multas cria indústria do recurso
Sérgio Duran
Da ARN, em Sao Paulo
17/07/1999 | 18:46
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Na mesma velocidade em que aumenta o número de radares eletrônicos nas avenidas do Grande ABC e demais regioes do Estado, cresce a quantidade de empresas especializadas em recursos de multas. Basicamente, elas cobram pelo trabalho que qualquer cidadao poderia fazer. É impossível calcular quantas surgiram desde que o novo Código de Trânsito Brasileiro entrou em vigor, já que poucas oficializam suas atividades.

Em Sao Bernardo, dos cerca de 5 mil recursos apresentados desde o início do ano na Jari (Junta Administrativa de Recursos de Infraçao) da cidade, mil vieram de empresas. O número toma por base somente os que vêm em formulários próprios, geralmente timbrados, excluindo os recursos vindos de despachantes que usam o papel da própria Junta. “E esse número está crescendo”, diz o responsável pela Jari, engenheiro Milton Leonel.

Na Jari de Santo André, que analisa cerca de 120 recursos por semana, nao há informaçao de quantos sao feitos por empresas. O presidente da Junta andreense, engenheiro Walter Gobato, diz já ter percebido vários recursos que “provavelmente devem ter sido feitos por advogados”.

O filao explorado por essas empresas é formidável para qualquer empreendedor. Somando os dados de todos os departamentos que fiscalizam o trânsito, chega-se a uma fábula de cerca de 3,3 milhoes de multas emitidas por ano só na Grande Sao Paulo. A cada hora, aproximadamente 390 motoristas recebem a notinha do fiscal ou percebem o estampir do flash de um radar fotográfico.

A falta de tempo para preparar o recurso é a melhor justificativa para que o próprio multado nao faça o serviço. O desconhecimento dos detalhes do Código de Trânsito também colabora para desanimá-lo. Nessa brecha, entram as empresas, que trabalham por três métodos: cobrando uma taxa por recurso feito, porcentagem sobre o valor da multa ou ainda oferecendo um plano, com pagamento anual, em que o cliente tem direito a vários recursos e se livra da tensao pré-radar. Para exemplificar, a multa por excesso de velocidade é de R$ 117 ou de R$ 527.

O contador Silvio Aparecido de Andrade, de Santo André, resolveu abrir a Multas & Multas após ter sido pego por um radar fixo em Sao Paulo, em maio do ano passado. “Fiquei revoltado”, recorda-se. Feito o recurso, começou a ajudar os amigos na tarefa e hoje tem uma empresa, com filiais em Sao Bernardo e Diadema, e uma equipe de três advogados.

Andrade reconhece que nenhuma empresa pode garantir 100% no deferimento de um recurso, mas acha mais provável consegui-lo do que um leigo no Código. “Nos recursos em geral, há muita reclamaçao e falta um argumento embasado na lei”, afirma.

“Radar móvel, quando a velocidade era baixa, geralmente rende bons argumentos. Um bom exemplo é a avenida dos Estados, no trecho de Santo André, que até bem pouco tempo era mal sinalizada”, diz. A Multas & Multas cobra uma taxa de R$ 25 por multa recorrida, mas negocia o valor em caso de o número de multas ser grande. Com isso, consegue fazer a média de 20 recursos por dia.

Já a Stop Multas, de Sao Caetano, prefere trabalhar no sistema de planos de cobertura e pagamento anuais. As categorias vao da básica, no valor de R$ 40, com limite do número de multas, às mais abrangentes, de R$ 189. Há ainda um plano para empresas, de R$ 240, indicada para caminhoes e ônibus. O proprietário, Américo Geraldo de Menezes, acredita ser essa a forma menos onerosa para o consumidor. “Quem nos procura, geralmente foi multado várias vezes. Temos o caso de um rapaz, que foi notificado 20 vezes por causa de um radar na avenida dos Estados.”

Diferenças – Os recursos feitos por cidadaos comuns sao mais “puros”, na opiniao dos coordenadores das Jaris que os julgam. Por outro lado, as empresas emprestam aos relatórios “um linguajar de advogado, elencando todas as leis possíveis do Código”. As palavras sao de Milton Leonel, da junta de Sao Bernardo. “Porém, nem sempre a empresa, com toda a sua técnica, tem um índice de deferimento maior. Há os que citam inúmeros parágrafos e artigos do Código, mas estao aparentemente mentindo. As empresas erram muito também, fazem o mesmo tipo de recurso para várias multas e nem se lembram de alterar dados como o endereço correto de onde foi anotada a infraçao”, explica.

Já o presidente da Junta de Santo André, Walter Gobato, afirma que a diferença entre um recurso “profissional” e um “amador” está só na apresentaçao. “O conteúdo é o mesmo e nao adianta querer deferimento quando nao há razao”, declara.




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