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Tatetos sente abandono do poder público
Kelly Zucatelli
Do Diário do Grande ABC
27/07/2009 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


Tatetos é um bairro da zona rural de São Bernardo, cidade marco da industrialização nacional, com uma das maiores arrecadações de impostos do Estado e berço político do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. A pouco mais de 20 quilômetros do apartamento do chefe do Executivo (região central) fica a casa de madeira de outro Luiz. Ao contrário de Lula, Luiz Novack nasceu no bairro Tatetos e vive lá até hoje.

Ele se orgulha de sua terra. Quando jovem, trabalhava lá mesmo, em uma mina de caulim, mineral usado na fabricação de porcelana. A mina já não existe, mas quando estava em pleno vapor, sentia a falta de médico por perto quando ficava doente. Tinha de sair de casa, esperar a balsa, atravessar o trecho da Represa Billings e ir até o Riacho Grande ou ao Centro de São Bernardo. Às vezes, isso levava horas. Hoje, tudo continua igual.

Enquanto a Via Anchieta começava a receber as primeiras fábricas que transformariam São Bernardo na Capital do Automóvel, Luiz Novack brincava pela Mata Atlântica do Tatetos. Cortava mato, construía cabanas e caçava passarinhos.

Na rodovia, tudo mudou. As pistas foram alargadas, o trânsito ficou intenso. A modernização chegou e se instalou com força em suas margens. Mas lá, depois da balsa, não tão longe da Anchieta, pouco foi alterado. Cresceu o número de habitantes - agora são 2.916 no bairro - e a natureza impera: "A mata é linda, característica principal do nosso bairro. Mas podíamos ter, pelo menos, asfalto ecológico por aqui", disse Erundina Beatriz Nunes, a Dona Dina, que também nasceu no Tatetos e acredita que ainda vai ver as melhorias chegarem.

Uma das poucas coisas que melhoraram na comunidade foi a educação. Novack conta que, por volta de 1950, uma professora ia ao bairro uma vez por semana para dar aulas em uma única sala feita de madeira. "Todas as crianças da redondeza frequentavam. Era uma festa." Hoje, há duas unidades de ensino, uma estadual e outra municipal, que necessitam de ampliação, pois a demanda cresce a cada ano letivo. Mas o casal se mantém orgulhoso de seu lugar, apesar do medo da violência e da falta de segurança. Segundo a Polícia Civil, a área do Tatetos somada à do Riacho Grande teve no primeiro semestre deste ano dez homicídios, 79 ocorrências de roubo e 403 furtos.

O orgulho vem das coisas boas que eles testemunham. A mata, os pássaros, a represa, que, embora poluída, continua bonita, e a gente que preserva o espírito solidário de interior. Todo mundo se conhece, todos cuidam uns dos outros, se ajudam como uma grande família.

O que eles querem é ser cidadãos, ter os mesmos direitos que os vizinhos do outro Luiz, o presidente, têm em São Bernardo. Pagam impostos e cobram asfalto, Saúde, segurança, Educação. São moradores de um bairro que parou no tempo pelo descaso dos governantes.

Povo orgulhoso se sente abandonado
O Diário passou dois dias no bairro do Tatetos para conhecer e conviver com a rotina dos moradores. Todos lamentam a falta de serviços básicos de saúde, segurança e lazer, apesar de terem transporte gratuito.

As principais reivindicações são a instalação de projetos com atividades socioeducativas para jovens e idosos, uma Unidade Básica de Saúde e um Posto Policial, além de melhor logística operacional da balsa para diminuir o tempo de espera, que nuca é menor que uma hora.

Mas para compensar os sonhos não realizados, a população do Tatetos ressalta o amor pelo lugar, que oferece uma natureza bela e tranquila, às margens da represa Billings, e o estilo de viver que aproxima vizinhos que são mais solidários uns com os outros, diferentemente dos grandes centros.

Ao atravessar a balsa e andar alguns quilômetros pelas ruas esburacadas e de terra, conhecemos o aposentado descendente de russos João Pepeliascov, 54 anos, passeando com seu cachorro.

Num breve bate-papo, o homem lembrou que há 20 anos o bairro era mais tranquilo, pois não tinha tantas áreas invadidas e mal cuidadas e problemas com ligações clandestinas de energia. "Estamos esquecidos aqui, moça. A Prefeitura deveria olhar mais por nós e os moradores cuidar melhor do lugar", disse.

Na despedida, o homem com vestes de roça finaliza: "Mais gosto de viver aqui, pois estou mais próximo da natureza, respirando ar puro."

Da opinião compartilha a dona de casa Maria das Graças Hernandes, que apesar de guardar em seus arquivos inúmeros pedidos feitos para melhorias em serviços de telefonia, internet e a entrega de correspondências em casa, sem que precise ir até o Riacho Grande para buscá-las, ela não troca o Tatetos por outro lugar. "Aqui posso ver os tucanos comendo frutos na árvore do sítio e andar pelas ruas à noite sem medo", disse a moradora.




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